Irmã Chiló: Devemos primar pela qualidade

Celestina Chilombo Cambundo, artisticamente conhecida por Irmã Chiló é um dos nomes sonantes da música gospel angolana. Em entrevista ao Portal Arautos da Fé, falou da sua vida, carreia e partilhou os seus sonhos no mundo da música. A qualidade da música gospel feita em Angola e os desafios por que passam os músicos, foram alguns assuntos que dominaram a conversa.

DSC_0593
Irmã Chiló no palco do PraiseArt

 
Arautos da Fé: Quem é a irmã Chiló?
Irmã Chiló: É uma senhora, esposa, mãe e principalmente adoradora do Deus vivo. Nasci no Kuando Kubango, cresci na Namíbia e voltei para Angola por ai com 21 anos de idade e decidi fazer carreira na música gospel há 5 anos. Mas antes disso, na Namíbia, fazia parte de um coral numa igreja protestante. Um coral de crianças, onde descobri que afinal tinha o dom para cantar. Os outros cantavam as pessoas ficavam distraídas, quando eu cantava, todo mundo prestava atenção. E aí fui explorando o mundo da música, dei a minha vida a cristo no ano 2000, aí conheci Jesus como meu salvador. Daí em diante, sempre soube que cantaria música gospel, mas nunca pensei em cantar profissionalmente. Cantava na igreja com amigos.
AF: Nasceu numa família cristã?
IC: Nasci dentro de uma família cristã, a minha mãe quando eu tinha por aí 5 ou 6 anos, levava-nos a igreja, eu e a minha irmã mais velha, na escola dominical, onde aprendi quem é Deus. Como é que devemos nos comportar com os pais, com os amigos, enfim. Cresci numa família daquelas que iam a igreja aos domingos.
AF: Quantos irmãos tem?
IC: Do lado da mãe, tenho uma irmã mais velha e do lado do pai dizem que tenho dois, um mais velho e um mais novo, mas nunca cheguei a conhece-los. Estou a espera, dizem que um viajou para Lunda e nunca voltou, outro dizem que está a estudar na Namíbia, acredito que com o tempo vou conhece-los.
AF: Quando é que foi para a Namíbia?
IC: Acredito com os meus 7 anos, era naquela fase da guerra. Os meus pais fugiram a guerra e acabamos chegando na Namíbia.
AF: Aqui qual é a igreja que a sua família frequentava?
IC: Aqui a família frequentava a igreja protestante, acredito que é IECA, mas depois de eu entregar a minha vida a Cristo, eu disse quero muito mais do que eu recebo aqui, acredito que Deus está a me chamar para um outro ministério, a minha mãe ficou chateada disse oh minha filha, você cresceu aqui na igreja. Mas eu sentia que podia dar mais a Deus e lá eu não dava o meu melhor, havia algumas limitações e entrei numa igreja pentecostal, onde sentia que estava a servir melhor a Deus. E acabei ficando no Ministério Aleluia Angola.
AF: Desde que tomou a decisão, sentiu que alguma coisa na sua vida mudou?
IC: Sim! Senti que alguma coisa mudou. Eu não digo que havia um problema na igreja anterior, só que cada um tem o seu jeito de fazer as coisas. Eu fui visitando esta igreja antes de fazer parte dela, e me identificava com as actividades da juventude, as decisões e as pregações. Desde que tomei está decisão, vejo sim mudanças em minha vida. O compromisso que tenho com Deus já é outro, os princípios na minha vida já não são os mesmos, acredito que amadureci espiritualmente.
AF: Foi ali onde constituiu a sua família?
IC: Exactamente. Ali conheci o meu esposo, casei, tive filhos. Sou mãe de dois, uma menina de 4 anos e um rapaz de 5 meses.
AF: Ali também veio a inspiração para gravar o CD?
IC: Sim. Ali conheci uma irmã que me perguntou porque que não gravas um disco e respondi que não é para mim, vou trabalhar, vou cantando na igreja. Ela disse que seria bom, a pessoas apreciam o teu dom, porque não gravar. Ela foi me dando aquela força, foi me ajudando e hoje estamos com esse disco no mercado.
AF: Porquê que escolheu este tema “Wandissola”?
IC: “Wandissola”, porque foi a primeira música que eu compus. Quando voltei para angola, uma das primeiras e a mais impactante. Eu queria me identificar, quando você vive fora do pais, quando vens de um outro país, queres abraçar a sua cultura, você diz, como vivi com as outras culturas, quero também a minha cultura. E ai eu fui desejando escrever algo na minha língua materna que é o umbundo. Então eu insistia a minha mãe, ajuda-me, me dê o hinário, então consegui compor esta música, wandissola. Acreditei que está é a música que me deu forças para escrever as outras músicas, por isso eu intitulo o meu disco wandissola.
AF: E como está a sua carreira?
IC: Quando temos um sonho ou decidimos lançar um cd, temos muitas ideias na cabeça, enfim, um mar de rosas daquilo que poderá ser a tua carreira. Mas, quando entramos no mercado, nos deparamos com uma realidade um pouco dura. Você precisa investir muito na publicidade, no marketing, precisa bater muitas portas, porque muitas vezes pensamos que é só lançar o disco é tudo, não! Lançar o disco é só o principio do grande trabalho que é a publicidade, que não tem sido tão fácil assim, porque nós não temos tantas rádios gospel e as rádios que temos, não tem tanta abertura assim para a música gospel.
AF: Quem cuida da sua carreira?
IC: Infelizmente eu e o meu querido esposo, nesse momento é que temos gerido a minha carreira. Porque neste momento não identificamos uma organização que realmente está pronta a assumir a minha carreira, então estamos nessa luta, vamos fazer até Deus nos indicar, quando Deus trazer uma organização que está realmente seria em trabalhar com os músicos gospel.
AF: E apoios tem aparecido?
IC: Sim! Tenho tido apoios da minha igreja, de amigos na fé, quer dizer irmãos da igreja. Irmãos que as vezes ouvem o trabalho e perguntam irmã o que é que falta para teres um videoclipe, o que é que falta para teres um show, então essas pessoas é que tem nos ajudado.
AF: Como está a sua fé?
IC: A minha fé está cada vez mais forte. Este ano decidi fazer a minha carreira gospel em tempo integral. Foi uma decisão um pouco melindrosa, mas foi um passo de fé. Eu disse olha… se acredito que é isto que Deus tem para mim, então porquê que não faço isso a tempo integral, para ver até onde Deus quer me elevar com a música gospel.
AF: Como concilia o trabalho com os deveres de casa?
IC: Antes de fazer música em tempo integral, quando lancei o disco ainda trabalhava e era emprego, casa. Nesse caso mãe ,dona de casa, esposa e até na minha igreja exercia algumas funções. Então aquilo era quase difícil, tinha sempre uma área que ficava prejudicada e era sempre a família. Mas agora que decidi fazer em tempo integral, estou a conseguir balancear as coisas, como se diz, não tem sido fácil, mas estou a conseguir, estou a entender como fazer o balanço, como fazer funcionar tudo isso.
AF: Sente que a sua música tem feito diferença na vida das pessoas que a ouvem?
IC: Sim tem feito uma grande diferença. A maioria dos convites que recebo são por causa dos discos que eles compraram. Eles dizem a tua música tocou-me, por isso quero que venhas cantar na nossa igreja. Então, várias pessoas já me deram esse feedback, acredito mesmo que tem impactado vidas.
AF: Quais são os seus projectos para 2015 e para os anos que se seguem?
IC: Para 2015 eu quero fazer um show. Antes do final do ano, um show de Chiló e amigos, estou em gravação de dois videoclipes, “habitação” e “certeza”, pretendo fazer mais publicidade usando os videoclipes e ver se começo já a escrever algumas músicas para daqui a um ano e meio, lançar o próximo trabalho. Um dos maiores projectos que tenho, não sei quando será possível, mas quero gravar ao vivo. Eu acredito que no estúdio é uma coisa, mas a gravação ao vivo é outra coisa, é melhor. Porque você se exprime e as pessoas também estão ali a interagir, a atmosfera é diferente e o clima também. Um dia vou fazer isto, talvez no próximo disco.
AF: Como é que olha para música gospel feita em angola?
IC: A música gospel cresceu muito. Lembro-me, na Namíbia ouvia ainda em cassetes, as músicas da Irmã Sofia e do Irmão Jack. Eu dizia meu Deus, gostaria de um dia fazer parte deste mundo e eram praticamente os únicos que ouvia. Não ouvia mais de ninguém. Eu conversei um dia com a Irmã Sofia e ela me contou um pouco daquilo que passou, não foi fácil, acredito que hoje em dia a facilidade é outra, já temos algumas aceitação nas rádios, na televisão, enfim; O irmão Clarry disse que fez um pedido naquela época, para cantar na televisão e só depois de alguns meses é que aceitaram o pedido dele. Então hoje em dia já é mais rápido graças a Deus. Não estamos onde deveríamos estar, mas também não estamos onde estávamos. Já estamos a tomar alguns espaços maiores.
AF: Em sua opinião o que falta para que a música gospel tenha maior aceitação?
IC: Falta qualidade. Nós os músicos gospel devemos primar pela qualidade. Hoje em dia os músicos dizem, é para Deus. Vou fazer só um discozinho para Deus, vai num irmão dele que tem um estúdio aí na banda, fazem trabalhozinho, um videoclipe que não tem qualidade, depois queremos dar a televisão e a televisão as vezes tem receio de receber os nossos trabalhos porque pensam que não tem qualidade. Então se começarmos a primar pela qualidade, aí veremos a televisão a nos aceitar cada vez mais. Porque hoje em dia as pessoas precisam de uma música que acalma o stress, que ajuda a meditar e a música gospel, além de entreter impacta vidas. Se primarmos pela qualidade, então vai ser ainda melhor.
 
AF: Em sua opinião a música gospel pode ser feita em diferentes estilos ou há um estilo que lhe caracteriza?
IC: Hoje em dia, na música gospel precisamos de vários estilos, não só o estilo tradicional que já nos habituamos, porque os ouvidos dos crentes já não são só para um estilo. Há pessoas na igreja que querem dançar num casamento e para dançar as vezes precisa de um outro estilo dançante, diferente.
Há pessoas que dizem, eu até queria que tocassem música gospel no meu casamento, mas as músicas são limitadas, só tem um estilo, as vezes as pessoas querem pular, querem dançar, mas não podem porque a música gospel só tem uma linha. Muitas vezes para pregar em certos sítios, devemos primar por um estilo de música. Eu por exemplo dei várias músicas as Rádios Mais e Escola, para tocarem, mas vi que eles tocavam mais a música “certeza” que é kizomba. Aí é uma vantagem para mim, porque estou a pregar a minha mensagem, o Evangelho, num momento em que eles estão a escutar outros estilos de música. É uma vantagem fazer a música gospel em vários estilos.
AF: Ela poderia ser feita no estilo kuduro?
IC: É assim… desde que a mensagem está clara, as pessoas estão a ouvir. O importante não é a batida é o que as pessoas estão a dizer na música. Pode ser até kuduro, mas se a mensagem está clara, nós vamos atingir aquela juventude que gosta de ouvir kuduro, mas na vertente gospel.
AF: Quanto aos músicos gospel, sente que há união entre eles?
IC: Nós não temos muito tempo de convivência, eu pelo menos. Mas o pouco que eu tenho conversado, nos encontramos apenas em actividades, dá a entender que realmente não estamos ainda lá, não. Mas devagar e bem estamos a nos conhecer, estamos a nos respeitar, estamos a nos entender.
AF: Particularmente como está o seu relacionamento com os colegas consagrados e os não consagrados?
IC: Olha, é o seguinte, com os consagrados tenho estado em contacto com pessoas como o Miguel Buila, Lioth Cassoma, Bambila, Irmã Sofia, Guy Destino e são pessoas que posso dizer que nos damos muito bem, nos entendemos. A dias, eu tive um mini show no PraiseArt e convidei o Gelson João e a Lioth Cassoma, que aceitaram normalmente, compareceram e foi bom. Não tenho nenhuma queixa.
E os que não são consagrados por enquanto, eu estive a dias no PraiseArt no show Venâncio e graças a Deus fui bem aceite, bem recebida, ele gostou e não tenho queixas. Acredito que só não temos tanta união porque não temos tantas actividades gospel, onde nos encontramos. Posso dizer que o mercado gospel ainda precisa crescer mais. Você as vezes ouve a fulana foi consagrada melhor cantora gospel do ano, mas você não se apercebeu, não esteve na actividade, mas que actividade é essa? Precisamos que essas actividades sejam mais abrangentes. Talvez uma associação gospel seria o primeiro passo.
AF: Essa é uma das actividades para aproximar os músicos, que outras actividades acha que poderiam ser feitas?
IC: Podíamos fazer um disco em que todos os músicos gospel participassem, neste caso quando temos situações difíceis, de solidariedade, momentos da páscoa ou do natal, devíamos fazer discos gospel, em que todos os músicos gospel mais conhecidos participassem. Cada um punha uma música nesse disco para estarmos mais unidos, nos conhecermos mais, podíamos fazer actividades em que iriamos para outras províncias. Porque afinal de contas para a música gospel crescer, precisamos estar juntos. Um só cantor, uma só cantora, não vai conseguir, fazer grandes coisas para a música gospel, mais unidos podemos fazer mais.
AF: O Portal Arautos da Fé realizou recentemente uma Conferência sobre Gestão de Carreira, do pouco que viu qual é a sua impressão e que importância um evento deste tem para os músicos?
IC: Eu graças a Deus consegui comparecer e foi muito bom. Bom porquê? Porque nós músicos hoje em dia fazemos a música gospel de qualquer jeito, não estamos organizados. Então, o que consegui entender naquela conferência é que estamos a tentar organizar a nossa praça, organizar a música gospel. E foi uma pena porque não foi a maioria dos músicos gospel que compareceram. Eu não sei porquê! se não foram feitos convites, se foram feitos e eles simplesmente não compareceram isso já não sei, mas quero louvar a iniciativa, foi boa e se continuarmos assim, daqui a mais uns dois anos vamos começar a ver mais união entre os músicos.
AF: Uma mensagem para todos os que seguem a sua carreira e te admiram.
IC: Primeiro agradecer a todos aqueles que tem me apoiado, talvez não financeiramente, mas com palavra, irmã vai em frente, Deus está contigo, acredito que Deus vai fazer grandes coisas na tua vida. Eu agradeço muito meus irmãos, porque sem vocês, não sei o que seria de mim, mas com a vossa força eu consigo cada vez mais buscar Deus, cada vez mais orar e acreditar que o melhor de Deus ainda está por vir e vos dizer, seja lá qual for o teu chamado, qual é o teu sonho, vá em frente, acredite. Porque o Deus que nós servimos não é homem para mentir, se Ele te prometeu, ele vai cumprir.
 
Perfil