A mistura da fé e do negócio gera controvérsia em África. Muitas igrejas vendem orações como forma de salvação em troca de dinheiro.
Todos os milagres nascem de uma semente. Pelo menos é o que afirma o “evangelho da prosperidade” conforme pregado num vídeo online pelo pastor nigeriano Chris Oyakhilome. Segundo o pastor, um crente que ora pela ajuda de Deus deve começar por considerar qual é a semente adequada à colheita que espera obter. Quem que se encontre em dificuldades financeiras ou quer recuperar milagrosamente de uma doença grave deve semear uma semente especialmente “preciosa”.
O pastor Chris, como é óbvio, está a falar de dinheiro: “Dar é sempre uma manifestação da nossa fé em Deus e na sua palavra”, afirma. E aos crentes que dão com generosidade, Oyakhilome e os outros chamados pregadores da prosperidade prometem fortunas, saúde e sorte. E quanto mais dinheiro doarem, maior será a sua sorte, afirmam.
O pastor Chris, nome pelo qual prefere ser tratado, fundou uma das muitas igrejas africanas que celebram a riqueza. A “Embaixada de Cristo” é uma das mais bem sucedidas. Os seus sermões, curas milagrosas e exorcismos são transmitidos via satélite para a Nigéria, África do Sul e Reino Unido por três canais de televisão. E os acólitos do pastor são excepcionalmente generosos.
Em 2011, o semanário Forbes calculou o seu património em 22 a 44 milhões de dólares norte-americanos. Muitas vezes, os pregadores da prosperidade ostentam a sua vida luxuosa como prova do poder das suas preces. Mas a intervenção divina não é a razão deste tipo de sucesso – todo o dinheiro vem dos bolsos dos fiéis.
Abençoados os ricos
A monetarização da fé tem uma longa tradição. Há 500 anos, a Igreja Católica vendia aos fiéis as chamadas “indulgências” com as quais se redimiam dos seus pecados. O dinheiro enchia os cofres do Papa em Roma. Martinho Lutero criticava a prática que o levou a lançar a Reforma Protestante em 1517. Apesar das indulgências serem abolidas em 1562, a reforma dividiu a igreja cristã até hoje.
Segundo os críticos, a venda de bençãos pelas igrejas hoje equivale à indulgência. O pastor zambiano Conrad Mbewe constata um aumento das pessoas que só vão à igreja com esperança de enriquecer, e não para construir um relacionamento com Deus: “O que os move é a superstição,” disse à DW o pastor batista.
Nos tempos de Lutero era difícil controlar se as indulgências estavam realmente a salvar almas do purgatório, como afirmava a igreja. Mas, salienta Mbewe, hoje toda a gente pode ver que os crentes que confiam nos pregadores da prosperidade não enriquecem: “O que deixa muita gente amargurada, que depois coloca as culpas em Deus.”
Um movimento global
A teologia da prosperidade, propagada, sobretudo, pelas igrejas pentecostais, não é um fenômeno puramente africano. Também na América Latina e do Norte, assim como na Ásia e na Europa, existem os autodenominados profetas e apóstolos que prometem salvação a troco de dinheiro. Muitas vezes esta forma de cristandade vem misturada com elementos animistas e xamanistas, que alegadamente atribuem poderes sobrenaturais aos padres e pastores.
Segundo Conrad Mbewe as igrejas prometem o mesmo que os curandeiros e feiticeiros. Ambos se vendem como armas multifuncionais contra doença, pobreza, desemprego e infertilidade. São muitas vezes procuradas pelos mais pobres, que tentam compreender o seu lugar no mundo e apostam num milagre para escapar às suas circunstâncias de vida difíceis.
E as críticas estão a aumentar: em 2015, o artista ganês Wanlov the Kubolor lançou uma canção satírica em que previa a morte de vários pregadores televisivos famosos. Segundo a canção, o Pastor Chris morreria de overdose de branqueador de pele. O artista imitou o estilo dos pregadores, que aterrorizam as pessoas com as suas profecias apenas para venderem as suas orações como forma de salvação: “Eles tentam aumentar as suas congregações e o número de membros, porque isto aumenta as hipóteses de alguém ter um golpe de sorte. Assim, o pastor pode dizer que aquilo aconteceu como resultado das orações. E as pessoas mostrarão a sua gratidão financeiramente.”
O negócio moderno da venda de indulgências
“Acontecia o mesmo nos tempos de Lutero,” afirma o pastor Conrad Mbewe: “A Bíblia não fala de indulgências em lado nenhum. Em nenhum lado a Bíblia diz que Deus vai multiplicar o dinheiro que deres ao pastor.” E tal como aconteceu no passado, as pessoas que vendem as indulgências são poderosas.
Segundo o pastor Conrad Mbewe, os pregadores do “evangelho da prosperidade” ocupam cada vez mais posições de liderança nos círculos da igreja e estão a expandir a sua influência política. Por isso, a maioria dos clérigos não ousa queixar-se em público, temendo perder o emprego. Mbewe explica que pode fazê-lo porque lidera a sua própria igreja, mas espera que outros tenham a coragem de combater o “negócio das indulgências modernas”, tal como aconteceu nos tempos da Reforma Protestante: “É preciso fazer o que se fez nessa altura. Indivíduos como Martinho Lutero dedicaram-se a ensinar a palavra de Deus publicamente, de uma forma que mostrava claramente o erro daqueles que estavam a abusar das pessoas.”
Fonte: DW Africa
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