Quando a atriz britânica Emma Watson fez campanha a favor da igualdade entre gêneros na Organização das Nações Unidas (ONU), ela não sabia que estava tornando a si própria um alvo da perseguição por uma turba global.
Tampouco sabia a desenvolvedora de jogos Zoe Quinn que ela seria vítima de abusos por entrar num mundo predominantemente masculino – a campanha de ódio, chamada “Gamergate”, começou quando seu ex-namorado a acusou de ter conseguido uma boa cobertura da mídia de um de seus jogos ao oferecer favores sexuais.
O que veio depois foi um assédio misógino de outros jogadores online, inclusive com ameaças de estupro e morte.
De forma similar, a atriz americana Jennifer Lawrence tornou-se vítima de um “crime sexual” depois que fotos em que estava nua foram vazadas e distribuídas pelo mundo digital.
Como estes, há muitos outros exemplos: em tempos de constante conectividade, a tecnologia virou uma ferramenta para “atacar mulheres e meninas”, alerta a ONU.
Milhões de mulheres no mundo são alvo de violência doméstica só por serem o que são: mulheres. E a popularização de tecnologias de comunicação e redes sociais viabilizaram novas formas de violentá-las.
Está na hora de o “mundo despertar” para a importância deste assunto, disse a ONU. A organização estima que 95% de todos os comportamentos agressivos e difamadores na internet tenham mulheres como alvos.
“A violência online subverteu a premissa original positiva da liberdade na internet e, com demasiada frequência, a tornou um espaço arrepiante que permite crueldade anônima e facilita ataques contra mulheres e meninas”, diz Phumzile Mlambo-Ngcuka, da ONU Mulher, agência da organização dedicada à igualdade de gêneros e maior poder feminino.
A violência de gênero no mundo digital não é mais um “problema de primeiro mundo”, dizem especialistas em tecnologia, e vem na esteira da popularização global de smartphones e tablets e da internet.
Também não é fácil combatê-lo, já que tecnologias digitais são uma faca de dois gumes, que pode ser usada tanto para perpetrar a violência de gênero quanto para fazer mulheres sentirem-se seguras e mais independentes.
Pandemia digital
Com uma em cada três mulheres já tendo sofrido com isso, a Organização Mundial da Saúde (OMS) considera a violência contra a mulher “como um problema global de saúde de proporções epidêmicas”, que varia desde abusos domésticos a assédio na rua, tráfico sexual, estupro e feminicídio.
A mídia social impulsionou ainda mais esta pandemia.
“A internet está disponível para todos, assim como a violência. Seus perpetradores não estão mais limitados por fronteiras geográficas ou físicas”, diz a baronesa Patricia Scotland, ex-procuradora-geral do Reino Unido e fundadora da organização Aliança Corporativa Contra Violência Doméstica.
O centro de estudos Associação pela Comunicação Progressiva estabeleceu os “quatro As” que distinguem a violência de gênero relacionada à tecnologia: anonimato, acessibilidade, ação à distância (exercendo assim uma forma de violência menos aparente sem contato físico) e automação (ou seja, menos tempo e esforço são necessários para perpetrar o ataque).
Este comportamento violento online vai desde o assédio virtual e aviltamento público ao desejo de agressão física – e a internet pode ser a ferramenta para transformar a violência virtual em violência real.
“Intimidação, ameaças e acesso a informações da vítima não são táticas novas dentro do contexto da violência doméstica. Mas o uso da tecnologia significa que o assédio e abuso podem se tornar muito mais invasivos, intensos e traumatizantes”, diz Kaofeng Lee, da organização sem fins lucrativos Rede Nacional pelo Fim da Violência Doméstica (NNEDV, na sigla em inglês).
Uma pesquisa realizada pela NNEDV, que é baseada nos Estados Unidos, descobriu que 89% das vítimas inscritas em programas relacionados à violência doméstica sofreram algum tipo de abuso por meio de tecnologias, muitas vezes em diferentes plataformas.
E as vítimas são cada vez mais jovens, segundo mostram os números.
Fonte BBC
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