Um total de 13.725 denúncias de fuga à paternidade foram registadas no país em 2024, informou o director-geral do Instituto Nacional da Criança (INAC), Paulo Kalesi, sublinhando que o fenómeno continua a ser uma preocupação social de grandes proporções.
Em declarações ao Jornal de Angola, o responsável explicou que a fuga à paternidade continua a ser uma das principais preocupações das autoridades angolanas que afecta milhares de crianças que crescem sem o apoio emocional e financeiro dos pais.

Apesar dos esforços institucionais para combater o fenómeno, disse, os números ainda são elevados, deixando muitas crianças em situação de risco.
Embora tenha havido uma diminuição do número de casos, referiu que o problema persiste, por ser estrutural, que resulta de factores diversos, desde a instabilidade económica e social até a questões culturais e comportamentais.
“Em comparação aos anos anteriores, a situação tende a diminuir, uma vez que outras instituições, como a Polícia Nacional, as Forças Armadas e o Ministério da Educação, assumiram seriamente o compromisso de combater a fuga à paternidade com envolvimento dos seus efectivos”, explicou.
De acordo com o director do INAC, há casos em que o abandono dos filhos é um comportamento aprendido e repetido de geração em geração, ou seja, alguns pais que fogem da paternidade por terem sido também abandonados quando crianças e acabam por acreditar que este é um processo normal.
Um dos factores relevantes, acrescentou, é a desestruturação das famílias, que pode ser causada por separações, instabilidade nos relacionamentos, dificuldades financeiras, influência de amigos e a violência doméstica.
O papel das instituições
Paulo Kalesi assegurou que o INAC, juntamente com organizações da sociedade civil, tem intensificado campanhas de sensibilização sobre a importância da paternidade responsável.
A solução, sugeriu, passa não apenas pelo reforço das leis, mas também pela mudança de mentalidade. “Precisamos de uma sociedade em que ser pai não seja apenas um título, mas sim uma responsabilidade assumida com orgulho”, enfatizou.
A sociedade angolana, frisou, enfrenta um grande desafio para reduzir os índices de abandono paternal, no entanto, com o envolvimento das autoridades, da sociedade civil e das próprias famílias, espera-se que novas políticas e atitudes contribuam para uma mudança significativa.
O impacto económico
Para o economista Djavan Palhas, o abandono paterno não afecta apenas as crianças e mães, mas gera um impacto significativo na economia do país, e, consequentemente, reflecte-se directamente na economia familiar.
“Muitas mulheres acabam sobrecarregadas financeiramente, obrigadas a arcar sozinhas com as despesas de alimentação, educação e saúde dos filhos, mas essa situação agrava-se ainda mais quando os pais não assumem a sua parte nas responsabilidades financeiras”, sublinhou.
Djavan Palhas explicou que, quando um pai abandona um filho, está a contribuir para um ciclo de pobreza que se perpetua, visto que crianças criadas em lares monoparentais têm menos acesso a oportunidades e, muitas vezes, enfrentam dificuldades de inserção no mercado de trabalho no futuro.
A fuga à paternidade, continuou, também sobrecarrega o sistema de assistência social com o aumento do número de crianças que precisam de apoio do Estado para a alimentação, educação e saúde.
Implicações legais e desafios
O jurista Jairo Lucombo esclareceu que a fuga à paternidade é uma infracção prevista na legislação angolana, que pode ser punida com medidas que vão desde sanções pecuniárias até mesmo a pena de prisão, em casos extremos.
O especialista realçou que o Código da Família estabelece a obrigação dos pais em prover sustento, educação e assistência moral aos filhos. “A legislação angolana é clara quanto à obrigação paternal, no entanto, muitas vezes há dificuldades na sua implementação, a morosidade processual, a falta de denúncias e a dificuldade na identificação da paternidade dificultam a responsabilização dos infractores”, realçou.
O jurista ressaltou que embora os tribunais possam impor o pagamento de alimentos, o cumprimento destas decisões continua a ser um desafio pelo facto dos homens se furtarem das suas responsabilidades, que em muitos casos mudam de residência ou até falsificam rendimentos para evitar pagar o sustento dos filhos. “São práticas que prejudicam não só as crianças, mas também a estabilidade social”, denunciou.
Um dos desafios enfrentados pelo sistema judicial, segundo Jairo Lucombo, é a necessidade de uma melhor articulação entre os órgãos responsáveis pela protecção da infância e os tribunais.
Muitas mães, confessou, desistem de procurar justiça por falta de informação sobre os seus direitos ou por não acreditarem na eficácia do sistema.
Um problema social
Para o sociólogo Zeferino Pires Miguêns, essa realidade não pode ser analisada de forma isolada, pois reflecte um conjunto de desigualdades estruturais que afectam a sociedade angolana.
“A ausência paterna tem raízes profundas que vão desde questões culturais até dificuldades económicas e instabilidade nos relacionamentos. É um problema complexo que precisa de soluções integradas”, defendeu.
Zeferino Pires Miguêns explicou que a sociedade angolana ainda carrega resquícios de um modelo patriarcal que, em alguns casos, desvaloriza a figura paterna dentro do núcleo familiar e muitas vezes a educação recebida pelos homens não os prepara para assumirem o papel de pais responsáveis.
“Muitos cresceram em lares cujo pai esteve ausente e repetem esse padrão sem questionar. Existe uma cultura de que a criação dos filhos é uma responsabilidade exclusiva da mãe, o que reforça esse ciclo de abandono”, lamentou.
Falta de educação afectiva nos lares
Osociólogo Zeverino Pires Miguêns entende que a falta de uma educação afectiva nos lares e nas escolas impede que os jovens desenvolvam um senso de responsabilidade parental desde cedo.
Muitas mães, continuou, enfrentam dificuldades para garantir que os pais assumam as suas responsabilidades, pois os processos judiciais são demorados e, em muitos casos, os homens simplesmente desaparecem. “O sistema precisa de ser mais eficiente na cobrança da responsabilidade paterna. Não basta ter leis, é preciso garantir que elas sejam aplicadas de forma eficaz para proteger as crianças que crescem sem o apoio dos pais”, alertou.
Zeferino Pires Miguêns sublinhou que o abandono paterno tem consequências graves que vão muito além da questão financeira, uma vez que as crianças sem a presença do pai podem enfrentar dificuldades emocionais, baixa auto-estima, problemas na construção da própria identidade e há impactos na educação que podem, nalguns casos, aumentar os riscos de fracasso escolar.
“Estudos mostram que a ausência paterna pode levar a problemas emocionais e comportamentais com maior propensão a actos de delinquência e dificuldades na vida adulta” explicou, sublinhando que essa é uma questão que afecta toda a sociedade e não apenas as famílias directamente envolvidas.
O especialista defendeu, igualmente, que o combate à fuga à paternidade deve passar pela implementação de programas de educação sexual nas escolas, campanhas de consciencialização sobre a importância da paternidade responsável e o fortalecimento das leis que obrigam os pais a cumprirem os seus deveres.
“A mudança passa pela educação e pelo fortalecimento da estrutura familiar. Precisamos de ensinar os jovens sobre responsabilidade emocional e financeira antes mesmo de chegarem à fase adulta”, apelou.
Zeferino Pires Miguêns recomendou a sociedade a cobrar mais dos pais ausentes e apoiar políticas públicas para garantir protecção às crianças afectadas por esse problema.
Fonte: JA
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