Com o mês de Março nos seus derradeiros dias, o portal Arautos da Fé foi ao encontro de uma das principais referências da música gospel angola. Numa conversa breve, Lioth Cassoma fez uma avaliação da participação da mulher cristã na Igreja e na sociedade, lamentou a existência de algumas barreiras em algumas denominações e apelou as mulheres a um maior envolvimento na resolução de problemas sociais.
Arautos da Fé: Como é que vê a atribuição de um dia, um mês à mulher?
Lioth Cassoma: É uma mais valia. Mulher é mãe, batalhadora, sofredora, principalmente a mulher angolana. É zungueira e as vezes tem que sustentar a casa. Então, é uma mais valia um mês só dedicado à mulher. Está a dar para reflectir em torno daquilo que é o comportamento da mulher, do seu esforço, empenho dentro e fora da sociedade. Eu, pelo menos, estou a aproveitar bastante este mês.
AF: Como é que olha para a participação da mulher dentro e fora da Igreja?
LC: Tem sido bem mais activa do que há alguns anos. As mulheres estão a se formar, estão a ganhar espaço, não só dentro, mas fora. Temos mulheres que ocupam cargos na política, vemos mulheres também a liderarem Igrejas. A mulher está a ter mais espaço, está a ter oportunidades diferentes de outros tempos.
AF: Na Igreja as mulheres já são reconhecidas?
LC: Não digo de modo geral porque ainda há certos tabus, certas doutrinas. Há Igrejas onde as mulheres não podem pregar, não podem dirigir, não podem fazer nada. Têm simplesmente que ficar sentadas. Mas há aquelas que dão aberturas para as mulheres. E aquelas que não dão, usam também a Bíblia, dizem que Paulo falou que as mulheres têm que estar caladas dentro da igreja porque não lhes é permitido falar. Mas a mesma Bíblia, diz que o Espirito Santo foi derramado aos servos e servas. Isso inclui homens e mulheres.
No entanto, eu louvo a Deus, porque, tem Igrejas que têm dado espaço para as mulheres ministrar, cantar e pregar, e o desempenho das mulheres tem sido muito forte. É incrível que agora vemos mulheres a pregar não só não igreja, mas fora da igreja. Em tempos vi uma mulher a pregar num mercado e me impactou bastante, me inspirou muito mais. Então, as mulheres estão com muita força.
AF: Quando olhamos especificamente para a música, esta força a que se referiu é igual?
LC: De facto, é igual sim. Eu tenho dito que há anos não havias essa abertura que se regista na música gospel. A única cantora que conhecia na altura era a irmã Sofia. Não tinhamos outros nomes bastante conhecidos como temos agora. E é uma mais valia, porque a música gospel está a crescer em Angola e as mulheres estão a ter muito mais aberturas.
Tinhamos muitos talentos escondidos e que ao longo deste tempo foram destapados. Por causa do crescimento da música gospel em si, estas mulheres também têm sobressaído.
AF: Em termos de impacto social, o trabalho desenvolvido por essas mulheres é visível, cria alguma diferença na sociedade?
LC: Eu acho que ainda está um pouquinho fraquinho. Tenho acompanhado a irmã Joly e aproveito parabeniza-la, porque ela faz um trabalho na cadeia feminina. É um trabalho social que ela faz com as mulheres, mas eu acho que ainda está um pouco fraquinho. O número que somos já podemos entrar na sociedade e fazer um bom trabalho de intervenção social. Ainda está fraquinho, mas já há um começo. Só por causa deste começo, podemos chegar a grandes alturas.
AF: Na sua visão, quais são os problemas sociais que merecem hoje uma maior intervenção das mulheres da Palavra?
LC: O abuso sexual é um deles. Não sei se acompanhou, nós tivemos um programa “Sou mulher, sou Ester” no fim de 2017, porque fomos constatando que havia um surto de raptos e violações, e as mulheres eram as vitimas. Como Igreja, recebi da parte de Deus, me senti tocada em fazermos alguma coisa. Então, nós nos levantamos e fomos buscando a Deus. Por incrível que pareça, muitas mulheres também se sentiram tocadas, o movimento cresceu bastante e até hoje continua. Temos mais de duzentas mulheres no nosso grupo do Whatsapp, temos interagido e os testemunhos são vários.
Então, abuso sexual é um deles, os raptos que graças a Deus diminuíram também, são fatores que nos fazem levantar e intervir.
AF: Esse é um programa que teve a sua génese, vai ter continuidade?
LC: Vai ter continuidade sim. A princípio, no fim de cada ano, teremos um ajuntamento só de mulheres para orarmos e intercedermos em favor das mulheres, em favor daquilo que tem acontecido na nossa sociedade, porque os problemas ainda são muitos e continuam. Temos acompanhado nos jornais, nos noticiários. Mas o nosso programa de oração a meia noite continua no nosso grupo do Whatsapp. Já não está mais no Facebook, tiramos do ar por alguns motivos. Estamos no Whatsapp apenas. Todos os dias a meia noite estamos ai orando pelas mulheres.
Mas também, temos outro projecto, no Sábado dia 24*, vamos dar sopa a maternidade do Capalanca. Nós fomos fazer uma visita e constatamos que é uma situação precária que aquele hospital está a passar. Como crentes e mulheres que somos, também mães, sentimos a necessidade de ajudarmos, apoiarmos. Mas do que chegar lá evangelizar a falar, vamos nos doar para aquelas mulheres.
AF: Que outras actividades o seu Ministério está a desenvolver ao longo deste ano?
LC: Por enquanto só mesmo essa. Tenho pregado mais, do que cantar (Risos). Também acho que por causa do Março Mulher, os convites têm aumentado muito. Alguns videos que eu publiquei nas redes sociais, o pessoal tem acompanhado e os convites têm chegado. Tenho pregado, não importa o lugar, tenho ministrado a Palavra e estamos nos preparar para o lançamento do álbum.
AF: Quando é que acontece?
LC: Brevemente. Está ai com umas pequenas guerras, mas a vitória está garantida.
AF: Ao longo do ano para além de tirar o CD, que outras acções vai realizar?
LC: Por enquanto estamos em oração. No tempo certo nós vamos chamar a mídia para poder apoiar na divulgação.
AF: Que apelo quer fazer para as mulheres cristãs?
LC: Quero dizer à todas mulheres cristãs que precisamos nos levantar. Como mulheres cristãs nos posicionar, olhar para os problemas que a nossa sociedade está a passar e estender a mão. Mais do que ver, mais do que lamentar, eu vejo as vezes uma notícia ruim do que a nossa sociedade está a passar, olhamos e apenas lamentamos: olha o que aconteceu, olha o que fizeram, olha mais uma desapareceu, olha mais um rapto. Mais do que olhar, fazer alguma coisa, nos movermos. Fomos chamadas para isso.
Então, nós mulheres cristãs, com os nossos joelhos no chão podemos mudar a sociedade. Só precisamos nos posicionar, nos levantar. E eu desejo muita força, muita coragem a toda mulher cristã, a toda mulher angolana e eu gostaria de deixar uma passagem bíblica que se encontra no livro de I Coríntios 15:58, “Sede firmes e constantes, sempre firmes na obra do Senhor, sabendo que o vosso trabalho não é em vão no Senhor.”
*A entrevista foi feita na quinta feira, 22 de Março.