Dom Luiz Soares Vieira: como bispo na Amazônia, “a missão me transformou”

O arcebispo emérito de Manaus, Dom Luiz Soares Vieira, reflete sobre seus 40 anos de episcopado na Amazônia, e destaca os desafios da evangelização e a importância da corresponsabilidade e sinodalidade na Igreja. Atualmente o prelado emérito continua seu pastoreio ministrando retiros e confissões.

40 anos de bispo, “bastante tempo”, diz dom Luiz Soares Vieira, arcebispo emérito de Manaus, a arquidiocese que pastoreou por 21 anos. Um tempo desafiador, numa cidade onde cada ano chegavam 40 mil pessoas, mas que a Igreja de Manaus enfrentou com um trabalho comum dos leigos, diáconos, padres e da Vida Religiosa.

Padre na diocese de Apucarana, no Paraná, de onde voltou quando ficou emérito, foi bispo na Amazônia, uma missão que mudou bastante sua vida, se empenhando em viver seu lema episcopal: servir e não ser servido. Ele diz ter aprendido muito nesses 40 anos de ministério episcopal, promovendo a corresponsabilidade. Um tempo em que partilhou o caminho com bispos que se tornaram “figuras que estão na história”, especialmente nos primeiros anos de bispo, “bispos muito proféticos”. Confira abaixo a entrevista na íntegra:

40 anos de episcopado, é muito tempo?

Bastante tempo, 40 anos de caminhada. Eu estou com 87, quando eu fiquei bispo tinha 47 anos. Fui nomeado bispo no dia do meu aniversário, no dia 2 de maio, como bispo de Macapá. Eu fiquei sete anos e meio lá, foram anos bonitos, muitas comunidades, no interior, ao longo dos rios, nas estradas. Em 1991, o Santo Padre me nomeou para Manaus, e no dia 19 de janeiro de 1992 eu tomei posse.

No dia seguinte, era a festa de São Sebastião, foi meu primeiro contato com o povo de Manaus. Foi um tempo bonito mesmo, foram 21 anos. No começo era muito desafiadora a situação aqui. Manaus começou a crescer de repente, foi um inchaço da cidade, entravam mais de 40 mil pessoas por ano, vindo do interior, do Pará e do Nordeste. Foi uma época complicada, porque a Igreja não tinha condições.

Mas eu encontrei uma grande coisa aqui, dom Clovis, com um grupo de padres, fez um projeto de evangelização das periferias envolvendo as paróquias, surgindo as regiões missionárias. Na zona Norte, onde está mais da metade da população hoje, era tudo invasão, o pessoal ia ocupando. Tínhamos uma Irmã Adoradora, a Ir. Helena, que foi fabulosa, organizou o pessoal, fazia ocupações muito bonitas. Nós fomos enfrentando a situação, os leigos, graças a Deus, padres, os diáconos também. Nós recebemos apoio de outras dioceses do Brasil e também das congregações religiosas femininas, eram muitas religiosas.

Em 2012, eu estava completando 75 anos, eu apresentei minha renúncia, e logo veio a nomeação de dom Sérgio Castriani. Fiquei muito feliz, porque realmente era o homem mais indicado naquela época para ser arcebispo de Manaus. Eu não quis ficar aqui em Manaus, porque havia muito tempo que eu era arcebispo, 21 anos, e voltei para a diocese onde eu era padre, diocese de Apucarana, no Paraná, e lá eu estou. Fiquei um tempo na catedral, ajudando, e depois fui para uma paróquia do interior com outro padre, e estou lá, vai fazer 10 anos nessa paróquia. Eu só tenho a agradecer a Deus esse tempo.

No domingo, nosso cardeal, dom Leonardo, promoveu a missa para lembrar meus 40 anos de episcopado. Fiquei muito feliz de reencontrar os padres, os dois bispos auxiliares, fui eu que ordenei muitos dos presbíteros, e muitos conhecidos, muitos amigos. Tudo isso ajuda a gente a se alegrar e a agradecer a Deus por tudo o que Ele realizou.

O senhor era padre no Paraná e foi bispo na Amazônia, o que mudou em sua vida, o episcopado e a Amazônia?

Mudou bastante, a missão muda a gente. Eu quando fui para Macapá, o Brasil é muito diferente, cultura, os costumes, a visão da vida. Para mim foi uma bênção, eu mudei muito, a missão mudou a minha cabeça. Aí comecei a perceber que muitas vezes aquilo que mereceu minha atenção, não era mais importante, fui descobrindo o que era realmente essencial e importante na vida cristã, na vida da Igreja, e principalmente na vida de bispo.

Quando fui nomeado, eu pensei: o que eu vou fazer? Lembrei-me de Jesus, que diz que ele veio não para ser servido, mas para servir e dar a vida por muitos. E falei, olha, é isso que eu vou fazer, como Jesus quis e que todo cristão deve fazer. Então, meu lema de bispo é justamente isso: servir e não ser servido. Isso tem me orientado a vida afora, eu agradeço muito a Deus ter vindo para cá, primeiramente Macapá, depois esse desafio de Manaus, gostei da missão, ela mudou minha vida.

Se pudesse voltar 40 anos atrás, o que o senhor não faria de tudo o que fez como bispo?

A gente fez muita bobagem, até a gente ser trabalhado pelo Espírito Santo. Às vezes a gente não tomava as medidas que devia tomar, mas passado é passado, tudo faz parte da vida, o acerto e o desacerto, e aprendi muito, mesmo com os erros do passado.

De tudo o que o senhor fez nos 40 anos de bispo, o que pensa que foi mais importante, o que não deixaria de fazer?

Naquela época em que fiquei bispo, se falava muito de fazer um planejamento participativo, chamar à participação nas linhas de pastoral, no que se deveria realizar. A gente falava muito da corresponsabilidade, de envolver realmente. Já em Macapá, eu parti para isto, e quando vim para Manaus, vi a necessidade de continuar o trabalho dos bispos anteriores, principalmente esse trabalho de evangelização das periferias, que era um projeto de dom Clovis Frainer.

Aí, eu comecei a envolver nossa pastoral com esse planejamento participativo, que hoje é sinodal, que é outro termo. Nas nossas assembleias, que realizávamos a cada dois anos, levava um ano, a gente consultava as bases, nas comunidades, nas paróquias, chegava até nossa coordenação pastoral, a gente fazia tabulação, mandava de volta, novamente discutiam nas bases, aí vinha para nós, redigia, e mandava novamente para as bases. Aí a assembleia era mais celebrativa, porque a assembleia já tinha sido realizada. Nesse processo de fazer todo mundo participar, a maioria do pessoal participava.

Isso foi muito bom, isso acho que foi um ganho, eu acredito que estejam continuando com essa metodologia aqui na nossa arquidiocese. Porque realmente, é o que o Papa fala hoje, sinodalidade, caminhar juntos, tomar as decisões juntos. É claro que depois o bispo tem que assumir e fazer todo mundo caminhar naquela direção. A gente traçava as grandes linhas da pastoral e comparava muito ao Rio Negro.

O Rio Negro tem as margens, mas ele tem espaço para iniciativas particulares. As margens seriam as linhas de pastoral, o que nós traçávamos nessas assembleias, e a gente via as urgências, e enfrentava as urgências, planejando como seria esse trabalho de enfrentamento dos problemas, das questões que estavam aí.

Em 40 anos, o senhor teve muitos companheiros bispos, como definiria o episcopado brasileiro nos últimos 40 anos?

Nos meus primeiros anos de episcopado encontrei figuras que estão na história. Eu lembro dom Helder, dom Luciano Mendes, dom Ivo Lorscheider, dom Aloisio Lorscheider, dom Paulo Evaristo Arns, alguns bispos do Nordeste, grandes nomes, foi uma época de bispos muito proféticos. Foi a época em que estava a ditadura, já caminhando para o final da ditadura, e foram bispos que enfrentaram a situação. Estavam lá dom Pedro Casaldáliga, dom Tomas Balduino, dom Erwin. Foi uma época de muito entusiasmo.

Hoje, o episcopado é ótimo, mas nós não temos nomes que sobressaiam. Esse é o problema do episcopado brasileiro hoje, nós não temos nomes como aqueles que tinha na época, talvez devido ao tempo e à cultura que nós estejamos enfrentando.

Na última assembleia dos bispos, dom Fernando Saburido dizia que o bispo fica emérito, mas nunca se aposenta. Como o senhor quer continuar seu ministério episcopal daqui para frente?

Já são 11 anos que sou emérito. Quando eu saí daqui, eu decidi fazer duas coisas: atender confissões, que não tinha atendido quase como bispo, e me pôr à disposição da Igreja do Brasil. O que apareceu foram muitos retiros, nos primeiros anos eram 10 retiros, depois na pandemia diminuiu, mas ainda eram quatro ou cinco, e agora vai retomando. Me dedico a isso, além da paróquia, ajudar o padre nas celebrações, nas confissões, tem a vida cheia, graças a Deus.

 

Fonte: VATICAN NEWS

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