Feitiçaria nas igrejas reflecte a influência que a religião africana tem nas comunidades cristãs

O continente africano, é apontado por estudiosos, como o segundo em que o cristianismo foi estabelecido, ainda na era dos apóstolos. O movimento que se iniciou no norte de África, é hoje mais expressivo no centro e sul do continente. 
religião africana
Relatos históricos indicam o ano 1484, como sendo o da chegada do cristianismo em Angola, com a entrada dos primeiros padres católicos. Quando chegaram, os missionários encontraram um povo religioso, que já acreditava na existência de um Deus, que professava a sua fé com rituais diferentes. 
“Impuseram” a sua religião, considera o docente universitário, Aníbal Simões, ao comentar para o portal Arautos da Fé, a influência que a religião africana exerce, hoje, na religião cristã.  
Quando chegaram, os europeus encontraram uma religião de matriz africana que de um modo geral, é um pouco próxima da religião cristã, explica. “Por exemplo, a religião africana que é animista conforme dizem, também concebe um Deus. Em Umbundu é Suku ou Nzambi em Kimbundu. Esse Deus é que é o criador, mas Deus não tem poder sobre as pessoas. Quem tem poder sobre as pessoas, são os espíritos dos antepassados.”
É como se Deus tivesse criado o mundo e se ausentasse, elucida. “Os ancestrais, é que têm através dos seus espíritos o poder sobre as comunidades. Enquanto que a matriz cristã é um pouco diferente. Para além da existência de Deus que criou o mundo, há uma figura central que é Jesus, filho de Deus. Ele é que realmente apareceu aqui no mundo para nos salvar. Aí não há problema. O problema começa nas práticas animistas. Nos rituais animistas, na crença em feitiçaria e a influência destes rituais nas comunidades cristãs”.
Esta influência, “que é muito grande”, tem sido ignorada, particularmente por líderes religiosos. Situação que faz o psicólogo pensar que o “problema” será vivido por muito mais tempo.
“Eu estive (numa) missão evangélica, vi um aspecto muito interessante: domingo todos os crentes eram cristãos, mas de segunda à sábado, voltavam para as práticas animistas.” 
É provável, diz, que haja alguns cristãos que já se despiram daquelas práticas animistas. Mas no meio rural, aponta, “ainda continuam e com muito força” a ter influência (as práticas animistas) na maneira como as pessoas vivem a fé cristã.
 
Práticas de feitiçaria, visitas kimbandeiros  sinais da convivência das ruas religiões
“Ele é crente, diz que acredita em Jesus, mas quando tem algum problema, acha que é o espírito de um antepassado que está a exercer essa influência sobre o seu filho que está doente.” Essa é a matriz africana, evidencia o docente.
“Então, a que fazer um ritual, para que se afaste este espírito do corpo do filho. E esses rituais é que metem os chinguilamentos e outros aspectos, enquanto que a religião cristã foge um pouco desta perspectiva.” 
Outro aspecto importante, refere, “até descrevo num livro meu”, é que sempre que na região do Bailundo, se fundasse uma nova aldeia, era importante que o ancião fundador, construísse, tão logo chegasse a região, um etambo (pequeno templo) – onde colocava o osso de um antepassado.
“E todas as manhãs, havia que fazer rituais. É por isso que hoje em dia, nestas aldeias, quando se come qualquer coisa, orienta-se despejar bebida no chão. Isso é para alimentar o espírito dos antepassados. Está é a matriz africana e hoje continua.”
Para Simões, acusações feitiçaria e várias outras práticas que acontecem em muitas igrejas hoje, são reflexos deste casamento conflituoso perspectiva africana e cristã ocidental.

Psicólogo Aníbal Simões, considera grande a influência da religião africana nas comunidades cristãs
Psicólogo Aníbal Simões, considera grande a influência da religião africana nas comunidades cristãs

“Colonização” cultural
Quando chegaram, os missionários “desvalorizaram” aspectos culturais africanos, até os que não conflituam com a religião cristã.  
O Aníbal Simões defende que os aspectos positivos da cultura africana, devem ser investigados, conhecidos e adequa-los a lógica da religião cristã. Os outros, negativos, como acusação de feitiçaria, uso de ossos de antepassados em rituais, é que devem ser afastados “radicalmente”.
“Há aspectos positivos como os cânticos, as danças, que podem ser bem aproveitados pela igreja cristã. Mas esse é o debate mais profundo que temos de começar agora.”
Como solucionar o problema
Não existe uma fórmula mágica para se resolver o problema, mas aposta na educação, é sugerida por docente.
“Quando nós falamos na matriz africana, estamos a falar da cultura de um povo. E a cultura é um conjunto de costumes, de hábitos, de crenças e é quase impossível apagarmos as crenças africanas nas nossas comunidades. Agora, para mim, uma das saídas possíveis, é o conhecimento, a formação. Aliás, em tempos postei uma frase no Facebook onde dizia: assim que o conhecimento e a educação regrediram, as práticas místicas, preconceituosas e esses mitos que as vezes não são favoráveis, avançam.”
Por isso, lembra, os missionários americanos quando chegaram na região central de Angola – onde implantaram as suas missões, para além de ensinarem o Evangelho, criaram grandes escolas, como do Dondi, da Missão do Chilesso, a escola do Elende.
“Viram que se não tentassem criar a tal mentalidade um pouco científica, seria muito difícil os angolanos aderirem a 40 ou 50% do cristianismo. Este é o caminho: a escola.”
Uma pessoa instruída, afiança, já não aceita que o espírito do seu avô é que influencia a sua vida hoje. “Agora dizer que eu acredito em Cristo e se agir conforme a Bíblia diz posso ter uma vida mais próspera e mais feliz, essa já é a matriz cristã, que eu acho é um pouco mais racional.”
Aníbal Simões, alerta para as consequências que podem afectar até futuras gerações, se as lideranças e os pensadores religiosos não encararem o problema agora. 
“O que vi nas igrejas, é que os pastores fingem que não há problemas, que está tudo bem. Mas também há pastores que as vezes, às noites, também vão tomar banho para conseguirem ascender a lugares cimeiros. E como é que fica? É um debate que deve começar”, reitera.
Pastor João Simplício, considera importante conhecer a cultura dos povos a evangelizar.
Pastor João Simplício, considera importante conhecer a cultura dos povos a evangelizar.

Desconhecimento da cultura de um povo pode criar constrangimentos a evangelização

A cultura pode ser elemento positivo ou negativo para a evangelização dos povos, dependendo para preparação do missionário/evangelista, esclarece o teólogo João Simplício. 
Caso ele (missionário) não conheça a cultura, ela se tornará um impedimento para que a evangelização possa ser feita, afirma.
Existem situações às vezes constrangedoras, existem coisas que a cultura permite ou não permite e a pessoa não sabia, acabou fazendo ou não fazendo, adverte o pastor que já desenvolveu actividade missionária nas tribos indígenas do Paraguai – país da América do Sul.
“Eles andavam descalços, nós tínhamos que andar descalços, eles comiam com as mãos, nós tínhamos que comer com as mãos e caso você como missionário, ou pessoa que vai evangelizar não tenha consciência disso, chegando lá querendo impor a sua cultura à eles, isso se torna um grande impedimento para o trabalho.”
Simplício que é angolano e morou muito tempo no Brasil, afirma que no país latino, o elemento cultura tem sido melhor explorado para evangelização, comparando com Angola.
“Por exemplo, eles lá, antes de virem pra cá, se preparam muito bem na questão cultural. Já nós, as vezes mesmo aqui em Angola, alguém saindo de Luanda para fazer um trabalho de missões numa das províncias, não se prepara para enfrentar algumas questões culturais.”
Observa, que o facto falar a mesma língua e estar no mesmo mesmo país (Angola) representa alguma vantagem, mas considera, ser necessário conhecer as particularidades de cada povo.
“Já eles lá, conseguem treinar a pessoa antes de a enviarem à um país ou à uma localidade. Chegando lá, por mais que ainda vá ter alguns constrangimentos ou algumas dificuldades, já tem uma mentalidade muito mais preparada.
João Simplício, recorda a dificuldade que teve quando foi morar no Brasil e aponta a falta de conhecimento daquela realidade como causa. “Conhecíamos o Brasil das novelas e não o Brasil real. Isso acabou causando algumas dificuldades, até na nossa convivência com as pessoas e também na transmissão da Palavra.”
Da cultura africana, entende, alguns aspectos contrariam os valores do Evangelho e devem ser eliminados mediante processo de educação. É o caso da poligamia. 
Em alguns lugares de África, conta, na noite de núpcias é o tio quem fica com a esposa do sobrinho. “São questões que a Bíblia não aprova”, realça.

Feitiçaria nas igrejas

No Brasil, onde viveu alguns anos, a questão da feitiçaria é conhecida de outra forma, compara o pastor João Simplício. “O impacto disto lá é outro. A questão mexe mais com a nossa sociedade, do que com a deles”.
Aqui, refere, as igrejas lidam com essas questões no seu dia a dia, mas têm de ter mais de atenção, por causa das consequências negativas que a má abordagem do assunto pode gerar.
“Hoje encontra-se sempre uma família onde alguém é acusado de feitiçaria. Você encontra uma criança que é acusada de feitiçaria e como pastor, você tem que saber como interferir na questão para não criar outros problemas.”
A questão é delicada, reconhece o teólogo e exorta os pastores angolanos reflectirem nas melhores vias de se abordar o problema.
Em alguns países africanos, exemplifica, existem tribunais que cuidam das questões que têm haver com a feitiçaria, o que não acontece em Angola, onde alguns pastores na ânsia de resolver, acabam criando mais problemas para a Igreja e as famílias. 
“É algo que precisa ser analisado e debatido entre pastores, entre as igrejas. É algo realmente relevante”, sublinha.

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