O músico e produtor David Estevão, considerou, em entrevista ao portal Arautos da Fé, que a música gospel regista um certo crescimento, mas mostrou-se preocupado porque, acredita, que os levitas estão se desviando do foco. Durante a entrevista conduzida por Gil Lucamba, o músico, falou dos projectos do grupo que fundou e analisou com profundidade o estado da música gospel.
Arautos da Fé: Quem é David Estevão?
David Estevão: David Cassisso Manuel Estevão é o meu nome completo. Sou produtor musical e cantor gospel, que também chamamos de forma comum: levita.
Pela graça, como produtor estou a caminho de 12 anos. Estou a trilhar o caminho paulatinamente e está a dar frutos. Como levita, quero dizer que Comecei a cantar desde a minha infância.
AF: E Profissionalmente?
DE: Profissionalmente, comecei praticamente em 2006.
AF: A sua infância foi vivida na Igreja?
DE: Cresci num ambiente cristão e comecei a cantar quando completei 8 anos. Evolui num coral vocal, aqueles corais que cantam sem instrumentos.
AF: Na Igreja esteve sempre ligado à música?
DE: Comecei no coral vocal e quando completei os 12 anos comecei a cantar com um dos meus professores, Afonso (já é falecido). Foi ele quem me inspirou a fazer música com instrumentos e depois ganhei pernas para andar com o meu próprio esforço.
AF: Em que Igreja esteve a maior parte do seu tempo?
DE: Numa Igreja situado na Mabor. A Igreja Cidade dos Vencedores. Foi na Igreja em que consegui desenvolver tudo quanto o Senhor tem investido em mim.
Actualmente estou a evoluir na Igreja Deus da Graça, ex Ministério Aleluia. Pela graça do Senhor, tudo está a correr conforme o propósito do Senhor.
AF: Ainda se lembra quando foi que compôs a sua primeira música?
DE: Sinceramente já não me lembro. Já faz muito tempo. E pela graça do Senhor, escrevi muitas músicas, muitos louvores como falamos na nossa linguagem (cristã).
AF: Escreve só para si ou também para os seus colegas?
DE: Isso já aconteceu, acho que duas vezes apenas. Mas a maioria das músicas que escrevo, são as que cantamos no grupo Goshen e umas cantamos na minha Igreja. Além disso, tenho a habilidade de pegar músicas de outros cantores e fazer novas roupagens, no sentido de actualizar os tais louvores. Essas roupagens, frequentemente cantamos também na minha Igreja.
AF: Quando é que começou a produzir e quais são as primeiras pessoas com as quais trabalhou?
DE: No início trabalhei com vários artistas, principalmente alguns artistas da Igreja Católica. E depois, trabalhei com alguns músicos da nossa praça. Já trabalhei com o Bambila, Guy Destino e…, são muitos. Inclusive, o álbum da Irmã Nádia (Mayembe) por completo, praticamente, foi produzido por mim e Deus fez graça, a irmã ganhou um prêmio, acho que de melhor cantora gospel.
AF: É um dos cabeças do grupo Goshen. A ideia da criação do grupo foi sua?
DE: Sim sim, foi.
AF: Como é que o grupo nasceu?
DE: No período em que entrei na produção, houve uma altura em que perdi o interesse pelo canto. Já não cantava praticamente. Cruzei-me com o irmão Gil Soba que é praticamente o segundo líder do grupo. Notei nele qualidades musicais que eu gosto. Trabalhei com ele o álbum da irmã Nádia e depois é que começou a nascer em mim essa vontade de me aproximar desse irmão. E depois, naquele convívio, Deus inspirou-me para começar alguma coisa com ele.
Partilhei essa visão com o irmão e ele concordou. Isso foi em 2013.
Deus me deu um nome: Goshen, cujo significado é terra de refúgio, terra de verdura. Recuando um pouco na Bíblia, Goshen foi a cidade erguida por José. Aquela cidade foi construída com o objectivo de acolher os seus irmãos que o alcançaram no Egipto.
Goshen nasceu em 2013, e começamos a evoluir com o irmão Gil até que outros irmãos nos alcançaram.
Houve uma altura em que tínhamos aproximadamente 18 membros. Só que, na falta de gerência dessas pessoas, começou a criar muitos problemas no nosso meio. Então, tive que reorganizar o grupo novamente, tirando aquelas pessoas que não correspondem aos nossos critérios. E pela graça do Senhor, o grupo está a andar, quer dizer, o resultado que estamos a ver não é o esperado, mas podemos dizer que são passos muito consideráveis.
AF: O grupo neste momento conta com quantos membros?
DE: Actualmente temos 12 membros.
AF: Homens e mulheres?
DE: Temos 10 rapazes e duas meninas.
AF: Qual é o balanço que faz do trabalho que o grupo tem realizado?
DE: Desde 2013, a evolução foi mais na parte espiritual. Na parte espiritual, pude constatar que o grupo ficou mais entrosado. Mais entrosado na visão do grupo e além disso, o tempo que passamos juntos, fez com que alimentássemos a nossa irmandade, para solidificar os nossos laços.
De forma técnica, houve também uma evolução muito considerável. Há certas técnicas que não conseguíamos fazer e actualmente com toda facilidade a malta consegue fazer.
O gênero musical que nós fazemos, é um gênero muito complexo. É o que chamamos de Black gospel, é um gênero musical que requer muita técnica, um ouvido muito apurado para poder implementar. Mas pela graça do Senhor, estamos a corresponder esses requisitos.
Em relação às actividades, ainda temos aquelas debilidades que…, verdadeiramente falando, falta de apoio, de meios financeiros. Mas pela graça do Senhor estamos evoluindo.
Se Deus permitir, antes que termine este ano, vamos gravar o nosso maxi single. A minha ideia, era que conciliássemos o som e as imagens. Na nossa visão, gravando no estúdio, vai ser um pouco difícil implementar a nossa visão. Mas gravando ao vivo, vai dar do jeito que a malta pensa.
Queremos ainda reunir condições no sentido de ter um bom som, de ter boas imagens. Se Deus permitir e conseguirmos esses meios, vamos implementar essa visão este ano.
AF: Além deste projecto, para este ano o grupo tem outros projectos?
DE: Sim, queremos organizar um concerto Goshen e Saron. O Saron já foi nosso convidado em duas actividades e desta vez queremos trabalhar em parceria com eles, organizando uma actividades grande, porque pela graça do Senhor, o Goshen e o Saron têm uma afinidade muito forte e há uma certa aproximação em termos de gêneros que implementamos. Por isso, queremos fazer algo em conjunto com o objectivo também de engrandecer o nome do Senhor.
AF: Que avaliação faz da música gospel em Angola?
DE: De modo geral há uma evolução. Quer dizer, a música gospel angolana está em fase de crescimento. A evolução que estamos a constatar agora, se calhar não é aquela que esperávamos, mas podemos dizer que é um passo considerável que a música gospel já efectuou. É fruto de um trabalho árduo que os nossos mais velhos fizeram.
Eu vou levantar aqui alguns pontos que fazem com que essa evolução não seja muito evidente. Nota-se uma certa desorganização na música gospel. Essa desorganização, acaba gerando muitos problemas.
Em primeiro, lugar posso falar, a nossa musica nacional ainda não tem aquela força de impactar vidas. Sendo cristãos, o nosso objectivo é ganhar almas para Cristo. Então, a música está a crescer, mas pouco a pouco os levitas estão se desviando do foco. Ao invés de ganhar almas, cada um quer vender seu peixe. Os levitas querem se tornar estrelas e pouco a pouco estamos a nos desviar do foco principal.
O mundo está numa fase que precisa da manifestação do poder de Deus. Acho que é momento crucial para trazermos louvores, palavras que correspondam com as expectativas das nações, de modo que Deus opere para solucionar os problemas que estamos a viver atualmente.
Em segundo lugar, acho que a nossa música ainda não conseguiu criar raízes para consolidar a sua força porque, até agora, se reparar, nas nossas Igrejas sempre cantamos louvores de fora. É um pouco difícil no decorrer do culto encontrar um levita a cantar a música do Guy Destino, por exemplo. É muito difícil. Não sei se é pelo facto de a nossa música ainda não estar muito consistente, não sei. Mas são factos que eu constato bem. Até agora a nossa música não tem aquela força de convencer as pessoas, ainda aqui localmente.
Em terceiro lugar, acho que essa desorganização que mencionei no início, acaba gerando uma certa disputa entre músicos. E aquilo acaba criando um ambiente de hostilidade. Não é muito notório, acontece às escondidas entre os músicos. Cada um quer sobressair e então, acaba pisando nos outros a todos custo para poder sobressair. Eu acho, que se tivéssemos uma plataforma que gerisse os músicos gospel, ajudaria a solucionar esse problema.
Esse problema da desorganização, acaba também criando uma certa interferências nas nossas actividades. Há um período em que tivemos de actuar numa actividade e nesse mesmo dia, na cidade, parece que tinha, 12 ou 15 actividades. Em termos de mercado gospel ainda não temos aquele peso, então, acabamos por constranger o nosso público. Até acompanhei um comentário no Facebook em que o irmão dizia quero assistir o concerto do fulano, quero também assistir o concerto do fulano, todos vão tocar no mesmo dia como é que vou fazer?
AF: Existe uma associação dos artistas cristãos de Angola e eles têm reclamado que os músicos não se associam. Será que o trabalho da associação não está bem visível ou não está atraente?
DE: Por minha parte, essa organização, se calhar até agora, não consegue oferecer coisas que sejam interessantes para os músicos. Se houvesse interesse, todo mundo engrenava para esta organização. Como não estão a aderir, se calhar não oferece coisas que sejam do interesse dos músicos.
AF: Há muito plágio, muitos músicos copiam músicas de artistas do Congo, Brasil e outros países e depois trazem aqui como se fossem deles. Acha que isso também prejudica a evolução que referiu?
DE: Acho que é um dos factores que faz com que a nossa música não tenha um impacto muito forte. Podemos imitar coisas, mas não podemos imitar os resultados. Vou imitar o que o irmão Gil fez, mas nunca vou conseguir imitar a essência que o irmão Gil tem para conseguir alcançar o resultado que ele consegue produzir.
Por isso, estamos a chegar numa realidade em que os músicos querem fazer música no sentido de corresponder às tendências atuais, mas não conseguem trazer mensagens que correspondem às expectativas do povo. Se correspondermos as expectativas do povo, o consumo também vai ser muito forte.
AF: Concorda que há um consumo maior da música estrangeira do que dá nacional.
DE: Sim, concordo.
AF: Quais são os países que mais influenciam Angola, na música gospel?
DE: Os países que mais influenciam são o Congo, Brasil, Estados Unidos, África do Sul. A meu ver, são estes países.
AF: Quais são os estilos que os músicos mais imitam de fora?
DE: Atualmente a música gospel de fora tem a mesma tendência, o que chamamos de worship. É essa tendência que praticamente todos lá fora estão a executar actualmente.
AF: O que é que pode ser feito para criar maior organização no seio dos músicos evangélicos?
DE: Acho que, se fizéssemos com que Jesus voltasse no centro das nossas mensagem, o centro das nossas vidas. Acho que haveria mudanças. A mensagem de Cristo está baseada no amor. E a Palavra declara que o nosso Deus é um Deus de ordem. Quer dizer que, sendo cristãos, somos nós que temos de exemplificar essa ordem. Se voltarmos a essência do cristianismo, se voltarmos na essência do que é a nossa missão, vamos reparar as falhas que temos e organizaremos as coisas da melhor forma.
Por outra, numa sociedade é sempre bom termos uma organização para gerir todos os recursos. Os músicos, levitas, precisam de uma plataforma para gerir a sua forma de trabalhar. Dessa forma conseguiríamos velar pela qualidade, porque até agora, em termos de qualidade, a nossa qualidade está muito abaixo. Conseguiríamos velar pela organização das actividades. Arrumar padrões que correspondem ao nosso Deus. Até a Bíblia diz: cantai louvores a Deus, mas cantai bem.
Se conseguíssemos nos reunir como filhos de um só Deus e trabalhássemos no sentido de atingir os objectivos de Deus, acho que as coisas aconteceriam.
AF: Acha que se os músicos pegassem nos estilos nacionais a música gospel seria mais apreciada pelo público?
DE: Acho que resultaria porque o nosso povo iria se identificar. Porque faz parte da nossa cultura. Como a música de certo modo representa a cultura, se pegarmos o que é nosso e oferecermos para Deus, vai ter maior impacto e o nosso povo vai conseguir se identificar e por outra, a nossa música vai conseguir se destacar lá fora porque já não vai ser igual a que está a ser feita lá. Vai criar uma certa peculiaridade a nossa música.
AF: Em termos de estilos, acha que a música gospel pode ser feita em qualquer estilo ou a estilos que não convêm?
DE: Acho que há estilos que não convêm para executar a música gospel. Porque há estilos que têm origem satânica, como o estilo que chamamos Rock and Rol. Para mim, é um veículo que não pode ajudar na expansão da música gospel.
AF: Há uma polêmica, certas pessoas defendem que a música gospel não devia ser vendida. Como é que olha para essa discussão?
DE: Acho que a música gospel que não pode ser vendida, se calhar é quando está na fase de execução ao nível da Igrejas. Nessa fase ela não pode ser vendida porque são cultos que estamos a prestar ao nosso Deus. Então, para prestar culto a Deus acho que não é conveniente cobrar uma certa remuneração. A menos que o Pastor tenha amabilidade de sustentar o músico. Mas no caso em que o músico entrou no estúdio, gravou música, acho que tem que encontrar uma fórmula de retornar o dinheiro injectado nesse projecto. São custos para entrar no estúdio, naturalmente os instrumentistas para darem o suporte musical pedem sempre algum cachê, para levar a música na fábrica são custos. Acho que neste caso tem que se arranjar uma fórmula para repor o dinheiro injectado no projecto.
AF: Como músico, como produtor, qual é o seu maior sonho?
DE: O meu maior sonho é conseguir meios para poder contribuir de forma considerável na expansão da nossa música gospel. Gostaria que Deus permitisse que eu criasse um estúdio grande, uma plataforma muito grande para ajudar os novos talentos, para ajudar no sentido de que a música gospel atinja todas as nações, de modo que o Evangelho atinja todo ser humano.