Mais de um mês depois da divulgação de uma denúncia contra a Igreja Universal do Reino de Deus (IURD), de que estaria a obrigar os pastores na condição de noivos a fazerem, numa clínica sul-africana, vasectomia, procedimento cirúrgico que deixa o homem estéril, hoje publicamos a reacção da Direcção Nacional para os Assuntos Religiosos, um órgão tutelado pelo Ministério da Cultura, a quem enviámos um questionário, respondido, por escrito, pelo director do instituto.
Pedro de Castro Maria declarou que os pastores da Igreja Universal não são obrigados a seguir a suposta orientação de realização de vasectomia se não for por vontade dos mesmos e, sobretudo, se estiverem a ser coagidos.
A vasectomia, acrescentou, é um procedimento que depende do cidadão, razão pela qual, a decisão individual deve estar acima de qualquer exigência institucional, ainda que sacerdotal.
Aludindo à necessidade de ser levada em consideração o princípio da presunção da inocência, Pedro de Castro Maria assegurou que o Instituto Nacional para os Assuntos Religiosos, no âmbito de uma “intervenção meramente administrativa”, vai obter o contraditório da Igreja Universal.
“Não vamos agora avançar as medidas a tomar até porque necessitamos de mais elementos”, disse o responsável, quando lhe foi perguntado se é possível, por via administrativa ou judicial, o Estado, representado ou pelo Ministério da Cultura ou pela Procuradoria-Geral da República (PGR), demover a Igreja Universal do Reino de Deus.
Pedro de Castro Maria garantiu que vai ser prestada informação pública sobre o decurso do processo administrativo e admitiu ser possível uma fase judicial se forem apurados os factos denunciados, num inquérito que pode ser promovido, oficiosamente ou por requerimento dos visados, pela PGR.
De acordo com Pedro de Castro Maria, o Instituto Nacional para os Assuntos Religiosos tem interesse em participar neste caso por estar em causa uma confissão religiosa reconhecida e a acusação ser considerada grave e punível pela lei.
Admitindo que seja verdade o que foi denunciado, o alto funcionário da Cultura reiterou que os pastores visados devem denunciar o acto aos órgãos de administração da Justiça, uma sugestão que avançou porque, além da eventual coação moral, “estaremos em presença de violação de direitos fundamentais por razões religiosas, o que não é aceitável tanto no plano social quanto legal”.
No caso concreto, segundo Pedro de Castro Maria, a denúncia deve ser remetida com prioridade para o Serviço de Investigação Criminal (SIC) ou para a Procuradoria-Geral da República dada a sua natureza penal.
O director do Instituto Nacional para os Assuntos Religiosos deu ênfase à necessidade da cultura da denúncia, desde que não seja de má-fé e que tenha por fim alertar sobre a violação de quaisquer direitos fundamentais previstos por lei.
Um assunto que sempre esteve longe da imprensa nacional
A vida da Igreja Universal do Reino de Deus já fez correr rios de tinta, sobretudo no Brasil, com a publicação de reportagens nada abonatória para a imagem da confissão religiosa de matriz brasileira. Em Angola, ao contrário do Brasil, a denúncia sobre uma eventual imposição de realização de vasectomia é um assunto que sempre esteve longe da imprensa até ao dia 10 de Setembro deste ano.
Fiéis da Igreja Universal, que deram origem à publicação da matéria pelo Jornal de Angola, disseram que o argumento de razão utilizado pela Universal para fundamentar a sua decisão de impor a vasectomia é a necessidade de que “mais nenhum pastor deve fazer filhos, porque têm que se dedicar só à obra” de Deus. Porém, textos avulsos, encontrados em várias plataformas digitais, apontam mais três razões, duas das quais têm maior consistência. Filhos atrapalhariam a expansão da IURD porque custam mais caro à instituição e muitas vezes impedem a deslocação de pastores entre um templo e outro, de acordo com o “blogueiro” brasileiro Fábio Pannunzio, que publicou, em Fevereiro deste ano, um texto com o título “A política de esterilização em massa de pastores da Igreja Universal do Reino de Deus”.
Uma segunda razão tem a ver provavelmente com as elevadas despesas suportadas pela Universal, uma vez que os pastores, maioritariamente jovens, por residirem em condomínios pastorais, vivem exclusivamente da igreja.
Três dias depois da divulgação da denúncia, publicámos excertos de uma conversa mantida com o advogado Vicente Pongolola, tendo o causídico defendido que a Procuradoria-Geral da República deve averiguar a denúncia, porque os pastores podem estar “sob coação extrema”, que os inibem de denunciar a igreja às autoridades competentes.
O advogado afirmou que, a ser verdade o que foi denunciado, a conduta da Igreja Universal “está fora das normas costumeiras do nosso país” e é “altamente reprovável”, razão pela qual deve ser desencorajada por ser uma “prática contrária aos bons costumes e atenta contra a dignidade da pessoa humana”.
A denúncia publicada pelo Jornal de Angola não foi rebatida pela Igreja Universal que, quando abordada para o contraditório, optou por ignorá-la com o argumento de que não dá credibilidade a fontes que se acobertam no anonimato.
Vasectomia é reversível e está afinal disponível na rede pública e privada
A vasectomia não esgota, afinal, a possibilidade de um homem gerar filhos. Abordado para dar um subsídio clínico, o médico Pedro de Almeida, especialista em ginecologia e obstetrícia, informou que, no passado, a vasectomia era considerada um método irreversível, mas, desde finais do século XX, passou a ser reversível, com as técnicas de recanalização dos canais ou ductos diferentes, usando os recursos da microcirurgia.
Uma outra opção a medicina dá aos homens vasectomizados, que queiram voltar a procriar sem reverter a vasectomia. Eles podem utilizar as novas tecnologias reprodutivas de alta complexidade, nomeadamente a Fertilização Laboratorial, conhecida como FIV.
Esta técnica, de acordo com o médico Pedro de Almeida, permite retirar espermatozóides dos testículos com uma agulha e seringa, o que possibilita fertilizar os óvulos para a produção de embriões no laboratório de reprodução humana assistida.
Considerado um procedimento de rotina em urologia, a vasectomia é uma pequena cirurgia realizada sob anestesia local, por médicos experientes, especializados em urologia ou cirurgia geral, explicou Pedro de Almeida, que disse não ser necessário uma lei específica para a realização do procedimento cirúrgico.
Sendo a vasectomia um dos métodos de contracepção utilizado no planeamento familiar e recomendado pela Organização Mundial de Saúde (OMS), Pedro de Almeida garantiu que, em Angola, a vasectomia está disponível na rede pública e privada.
“Tal como se faz a circuncisão, a vasectomia também se faz em Angola, há muitos anos”, adiantou o gineco-obstetra, que caracterizou a vasectomia como uma cirurgia “tão simples que não constitui nada de especial”.
Pedro de Almeida admitiu que razões de índole cultural e a falta de informação sobre este método anticoncepcional estejam na base do número reduzido de homens que tenham optado pela vasectomia no país.
Na opinião do médico, a massificação da vasectomia não constitui uma necessidade para Angola, em termos de controlo da natalidade, , por ser um país com baixa densidade populacional.
“Devemos, sim, informar que o método existe, é altamente eficaz em termos de contracepção e que está disponível nos hospitais estatais e clínicas privadas”, defendeu o médico Pedro de Almeida, para quem as instituições hospitalares públicas e privadas, devem ter um protocolo de rotina padronizado para a vasectomia e para a laqueação das trompas, procedimentos cirúrgicos de contracepção.
A vasectomia é realizada em regime ambulatório, em qualquer unidade sanitária pública ou privada, onde haja um urologista ou cirurgião geral. Por não haver necessidade de internamento, o paciente, após repouso de algumas horas, obtém alta, podendo retomar as actividades diárias regulares no dia seguinte.
Fonte: JA