Hoje, 08 de Março é o dia internacional da mulher. Uma data comemorativa que teve origem nas manifestações femininas por melhores condições de trabalho e direito ao voto, no início do século XX na Europa e Estados Unidos. A batalha de um grupo de mulheres naquela época, trouxe resultados posteriores, com conquistas e reconhecimento pelo papel da mulher na sociedade. E para falar de mulheres, o Arautos da Fé, traz uma Deolinda Teca, Secretária Geral do CICA, que conta um pouco da sua história e das barreiras que teve de ultrapassar para se firmar, ao longo de mais de 24 anos de ministério pastoral.
Arautos da Fé: Está a frente de uma grande instituição, que é o CICA. Como tem sido este trabalho, como é que os membros desta grande comunidade recebem o seu trabalho, as suas orientações?
Deolinda Teca: Talvez está avaliação deveria ser feita por uma outra pessoa. Mas, precisamos de realçar a participação dos líderes das igrejas. Têm sido flexíveis quando os convidamos para um determinado encontro e para uma determinada acção, até aqui não temos duvidas ou sombras de duvidas em relação a receptividade da nossa intenção junto das igrejas membros do CICA. É nosso interesse que estejamos mais unidos. Gostaria de ver o CICA como uma casa que recebe todos, sobretudo os seus membros e que esses membros olhem para o CICA, como o espaço de compromisso, entrega e aprendizado mútuo. Mas considero os dois anos que celebro hoje (02 de Março), foram de muitos desafios, mas ainda assim de algumas vitórias.
AF: Como concilia o trabalho do escritório com os deveres de casa?
DT: Este é um outro desafio. Tenho estado a dar o meu contributo, geralmente aos fins de semana. Durante a semana, tem sido um pouco difícil. Mas aos fins de semana procuro sair com o esposo, quando ele cá está e por vezes com os filhos, sobretudo irmos a igreja juntos. Ser mãe não é fácil, mas Deus tem sabido ajudar-nos a gerir o tempo.Também procuro encontrar-me com os outros membros da família, faço esforço de não estar ausente em encontros familiares, casamentos, alembamentos, óbitos, etc. Porque se não dermos tempo a família, estaremos a arruinar a nossa relação interpessoal.
AF: Que reflexão faz sobre o mês de Março?
DT: Março mulher! Foi ontem que reflectimos sobre o livro de Ester, mas também olhamos para a realidade de Vasti, aquela que recusa apresentar-se diante dos príncipes. Claro, as pessoas olham para ela como alguém que refilou, mas é bem verdade que ela preservou a sua dignidade também. Ser mulher não significa apenas fazer vaidade. Ser mulher é ser uma pessoa integra, que se faz respeitar. Alguém com honestidade, com dinamismo para sustentar a família, sustentar a igreja e sustentar a sociedade também. É ser mãe, é ser gestora da vida. E a gestão da vida parte do ventre. A mulher deve dar carinho e merece carinho. Deve prestar mais atenção, sobretudo a família.
Temos estado nos últimos dias a deixar a família ao relento. Muitas crianças, estão perdendo a direcção dos pais, não são orientadas. E quem deve desempenhar o papel preponderante na disciplina, na organização, na gestão da família é a mãe. Claro que o papel é dos dois (pai e mãe), mas se a mãe não estiver atenta aos pequenos factores, então estará a destruir a sua família. Então, nós mães, precisamos de dar mais atenção aos filhos, dar atenção a casa, não deixar que a casa seja gerida apenas pelas crianças.
Precisamos de primar um pouco pela dignidade, deixar de beber como vemos nesses últimos dias. Independentemente das crises que a pessoa estiver a viver, a bebida não resultará em nada, antes pelo contrário, estará a arruinar a sua própria saúde física e mental.
AF: O número de divórcios tem vindo a aumentar gradualmente, as mulheres tem responsabilidade nisto?
DT: Acredito que sim. Quando geralmente abandonamos os lares, prestamos pouca atenção ao esposo, este vazio que muitas vezes criamos, pode facilitar a fuga de responsabilidade do esposo para com a sua própria família. Uma das coisas que eu gostaria de desencorajar, tanto na igreja, como no estado, é a transferência de um esposo por razões de trabalho, para uma determinada província, quando a família fica por exemplo em Luanda.
Mas a questão dos divórcios, também passa pela educação que cada um de nós recebe. Vejamos, para muitas famílias que estão separadas, parecendo que não, as crianças crescem traumatizadas. Se por exemplo um pai abandona os seus filhos e estes ficam apenas ao cuidado da mãe, se for uma menina, terá uma imagem muito feia de um homem e pode até desenvolver um sentimento de rejeição, não querer um homem, porque terá a imagem de um pai ou de um marido que lhe venha abandonar tal como o pai abandonou a mãe.
Não daria toda culpa a mulher, mas creio que a culpa é dos dois, mas tudo isto passa pela questão básica que é a educação que cada um recebe da família.
AF: A pastora acha que a igreja, desempenha um papel muito importante na educação das famílias?
DT: É evidente. Eu acredito que se não existisse igreja a desempenhar este papel preponderante na educação das famílias, talvez teríamos uma sociedade um pouco mais destruída. A igreja sempre desempenhou um papel fundamental na harmonia, na tranquilidade, na paz, na consolidação das famílias.
AF: Olhando para as famílias, o que vê e o que mais lhe preocupa?
DT: Uma das grandes preocupações é o divórcio. Na verdade o número de divórcios aumenta. Segundo, as famílias precisam de olhar para os aspectos morais. Algo que deve ser transmitido até as crianças. O que acontece é que muitas vezes os pais estão próximos dos seus filhos apenas para passear um pouco na marginal, visitar a irmã, o irmão ou o tio, mas sem tempo próprio pata a transmissão dos valores e princípios.
Terceiro, não temos praticamente o controlo do que passa na televisão, deixamos as crianças ao relento, muitas delas dormem tarde, sem nenhuma orientação dos pais e elas vêem tudo, até o que é nocivo e depois disto não há orientação por parte dos pais.
A outra questão, é que o dialogo parece estar fraco no seio da família, porque cada um está a procura do lucro e o dialogo parece não ter ou gozar o seu real papel no seio da família. Pais há que não falam com os filhos, filhos que não falam com os pais.
Também preocupa, um certo desinteresse dos filhos para com os avós e tios. Está a se desenvolver um individualismo, um egoísmo muito forte. Falta solidariedade entre os vizinhos. Há também há pouco interesse e respeito pelos adultos e pelos idosos. Dizia eu no Canfeu, que a questão da educação moral, cívica e patriótica, deve ser disciplina do ensino primário até ao universitário. Estamos numa fase em que é preciso que até na universidade tenhamos esta disciplina. Outra preocupação é a bebida. bebe-se demais! É uma grande preocupação e alguns conseguem dar a cerveja ata as crianças, menores de 10 anos. Isto é preocupante! Para uma sociedade em desenvolvimento, é importante que as famílias e os órgãos do estado, estejam atentos a este tipo de praticas.
AF: Será que a televisão e agora a internet tem influenciado mais as famílias do que a igreja?
DT: Acredito que sim. Há um poder tal da internet e da televisão em que os pais muitas vezes não conseguem controlar o movimento dos filhos. Vejamos que eles são hábeis em manipular os telefones. Algumas acções, eu não consigo fazer, mas uma criança de 5 ou 10 anos penetra muito bem no telefone. Eu creio que os órgãos de difusão massiva, podem desempenhar um papel importante na educação ou reeducação, no moldar as mentes, eles podem sim.
Uma das coisas que também preocupa-nos bastante, é o estrangeirismo. As pessoas e sobre tudo as crianças estão imitando tudo, sem nenhum poder de selecção do que é bom ou mau.
Como cristãos, o texto é bem claro quando diz “não vos conformeis com o mundo, mas transformai-vos para que saiba qual é a perfeita vontade de Deus”. Então a igreja ali tem um papel preponderante. Se podermos desenvolver alguns filmes educativos, dramas, teatro na igreja, que promovam o respeito, o amor, a solidariedade, a humildade, penso que ajudaria bastante a nossa sociedade. Mas é importante fazemo-lo já agora.
AF: O ensino da religião nas escolas seculares ajudaria a transformar angola?
DT: Creio que sim. Ajudaria, independente de termos um governos laico, seria bom que o ensino da religião fosse incluido no currículo escolar. Ajudaria bastante. Isto aconteceu na era colonial e porque não faze-lo agora. Claro que está liberdade de ensino da religião foi muito mais nas escolas missionárias, nas escolas Evangélicas e Católicas. Mas é bem verdade que também teve um certa influência nas escolas seculares, porque grande parte das pessoas que trabalhavam nas escolas, que eram professores, tinham a base cristã, havia sempre esta passagem de valores cristãos, mesmo dentro do ensino secular.
AF: Hoje, como é que a mulher angolana se posiciona na sociedade?
DT: O que vejo é que as mulheres estão cada vez mais…, posso bem dizer firmes. Donas de si mesmas.
Há um certo poder, uma certa autoridade por parte da mulher e o espírito de autodeterminação é muito forte hoje. E há um certo dinamismo também por parte das mulheres, estão desenvolvendo muito mais a área comercial. O empreendedorismo, parecendo que não, está a ganhar espaço, as mulheres estão se tornando cada vez mais negociantes, para a sustentabilidade familiar, mas ainda assim, acho que a questão comercial não pode substituir nem tão pouco, a grandeza do seu valor.
AF: A pastora acha que está tendência pode dificultar ainda mais a convivência entre a mulher e o homem, a esposa e o esposo?
DT: Tudo que não passa por um equilíbrio é perigoso. Tudo que vai para o excesso é perigoso.
Claro, podemos primar pela busca desenfreada pelos lucros, podemos primar por ser empreendedores ou empreendedoras, mas precisamos de respeitar a posição ou o papel de cada um de nós como homens e mulheres criados a imagem semelhança de Deus temos no mundo. Cada um deve respeitar a posição do outro. Homem e mulher tem as suas habilidades, tem as suas capacidades e é importante que cada um respeite aquilo que o outro é. Acredito que em alguns momentos não é tão fácil, mas é bom sempre olhar para as capacidades, para os talentos que cada um de nós tem e sem desembocar ao descrédito do outro.
AF: Vamos fazer um jogo rápido:
DT: Sim
a) Deus – é amor;
b) Família – o gozo da família é a primícia do reino de Deus.
c) Ministério – É um dom e um favor de Deus;
d) Sono – é precioso, relaxa a mente e renova as forças;
e) Cor – Sem cor haveria monotonia. Cor é beleza, é criatividade;
f) CICA – É uma escola, uma universidade, casa de todos;
g) Bíblia – É a bússola;
h) Dinheiro – Indispensável, sem ele não há dignidade;
AF: Para terminar uma palavra para os nossos leitores.
DT: Saber amar o outro como a si mesmo. Não destrua a tua própria vida por factos que são temporários, mas prime sempre pela dignidade, porque assim será também respeitado ou respeitada. E sobretudo amar aqueles que carecem do nosso amparo.
AF: Obrigado pastora.
DT: Obrigada eu por este tempo e leiam sempre. Porque quem lê, aprende, quem não lê, sepulta-se a si mesmo.
Perfil
Nascida no seio de uma família cristã evangélica, aos 13 de Abril de 1964, a 24 anos é ministra do Evangelho, pela Igreja Evangélica Reformada de Angola. Continue lendo: DEOLINDA DORCAS TECA
Artigos relacionados
-
Mons. Lucio Ruiz: Sínodo digital, “um novo capítulo para a missão na Igreja”
-
“Até há músicas que são uma autêntica adoração ao diabo e chamam música gospel”
-
“Muitos músicos fazem envergonhar a classe: namoram, vivem no adultério, na prostituição”
-
“GESTÃO DE EVENTOS HOJE É CIÊNCIA: PRECISAMOS SENTAR E APRENDER”
-
POESIA EVANGÉLICA TEM SIDO DISCRIMINADA, LAMENTA POETA