Criar contas nas redes sociais para partilhar conteúdos sobre albinismo, depois de um trabalho de pesquisa à volta do tema, foi a estratégia adoptada pela jovem Itelvina Morais, 26 anos, para desfazer mitos, crenças negativas e inverdades.
“Desde os meus 17 anos, até agora, faço o esforço para ter sempre internet no meu telemóvel, a fim de responder a vários questionamentos relacionados com o albinismo e isso fez com que, hoje, nenhuma manifestação de discriminação me abale”.
A estudante finalista do Curso Superior de Educação de Infância explicou que já ouviu de tudo sobre o albinismo e, entre outras inverdades, o mito de que “os movimentos rápidos dos olhos servem para conservar alguma nitidez que possam ajudar a enxergar à noite, o albino desaparece misteriosamente à noite e regressa de manhã”.
Natural do Cuanza-Sul, Itelvina Morais tem cinco irmãos, dos quais dois vivem com a mesma condição. A jovem considera-se uma pessoa que, por esforço próprio, superou o preconceito social imposto pela desinformação.
“A rede social Facebook foi a janela que me apresentou o mundo normal, onde se cruzam pessoas de diferentes tons de pele e ideologias e os princípios do contraditório fazem todo o sentido”, concluiu.
É preciso ser resiliente e determinado
A determinação, resiliência, ambição e auto-superação são características essenciais para enfrentar as adversidades que vida impõe, em qualquer domínio, principalmente para pessoas portadoras de alguma deficiência, defendeu o estudante universitário Mono Vítor, de 29 anos, natural da província do Moxico.
O jovem, também portador de albinismo, revelou que, apesar de trabalhar na função pública e ocupar cargo de chefia, ainda não conseguiu conquistar o respeito de todos, “que persistem em menosprezar a minha posição, por conta da cor da pele”. “O albinismo, acrescentou, inviabiliza a vida de quem é portador e a sociedade angolana, não está preparada para lidar com os mistérios da ciência e de Deus”.
Maior inclusão social
Para o membro da Associação de Apoio aos Albinos de Angola (4As) José Cariato, as políticas públicas em relação às pessoas portadoras de albinismo melhoraram substancialmente, tendo em conta a aprovação do Decreto Presidencial nº 193/23, de 9 de Outubro. Considera ser um documento extremamente importante, envolvendo diferentes departamentos ministeriais, nomeadamente, a Educação, Saúde, Administração Pública Trabalho e Segurança Social (MAPTSS), Cultura, Urbanismo e Habitação e Ensino Superior, cujo objectivo principal é garantir maior inclusão social desta franja da população.
“Estou na expectativa quanto à materialização destas políticas elaboradas pelo Executivo para o período 2023-2027, ao mesmo tempo que é necessário criar estratégias mais céleres para informar a sociedade sobre as causas do albinismo, devido aos actos discriminatórios que afectam o nosso modo de ser e estar como cidadãos”.
Os cuidados com a pele, face à exposição solar, o uso de protectores, cremes hidratantes, roupas adequadas e chapéus com abas largas, explicou, “não nos torna diferentes de outras pessoas”.
“Independentemente disso, desde cedo aprendi que o amor próprio é importante para se posicionar na sociedade”, salientou.
Formado em Relações Internacionais, José Cariato anseia realizar o sonho da casa própria, para fechar o pacote de objectivos de vida, sendo que, por conta da sua condição de albinismo, teve que redobrar os esforços para ser um dos destacados durante os anos de formação.
Futuro mais justo
Moisés Cardozo, também portador de albinismo, augura que as crianças nesta condição possam viver uma realidade mais justa, inclusiva e com mais oportunidades, onde a cor da pele não seja um factor de exclusão e discriminação.
Na perspectiva do gestor de projectos Paulo Carvalho, o Plano de Apoio de Protecção de Pessoas com Albinismo (PAPPA) vem responder às principais preocupações e necessidades definidas para o período 2023/2027, visando a salvaguarda da dignidade e do direito à protecção social das pessoas com albinismo.
Entre outras medidas, o Executivo prevê quotas de vagas de emprego e estabelecimento de parcerias com instituições públicas e privadas para beneficiar as pessoas com esta condição, que vão se reflectir numa maior inclusão deste grupo social.
“Temos apenas um ano desde a aprovação e publicação do PAPPA e estamos confiantes nos benefícios que vai trazer para este grupo”, salientou.
Moisés Cardozo referiu que os ataques discriminatórios de que são vítimas estão associados a mitos, crenças negativas e à desinformação. O problema, acrescentou, é mais acentuado nas comunidades com menor índice de literacia. Apesar disso, ressaltou, já se constata uma melhoria significativa neste sentido.
A fonte refere que o estigma continua a ser um problema para as pessoas com albinismo, sublinhando que os sinais de discriminação são vividos, inclusive, no seio familiar, na escola, na comunidade, no serviço e em todos os lugares.
Símbolo de esperança e progresso
Para Paulo Carvalho, o 13 de Junho representa um símbolo de esperança e progresso. Representa, igualmente, o esforço para que as pessoas com albinismo sejam vistas, além da cor da pele, como indivíduos com sonhos, talentos e o direito de viver uma vida plena.
Para hoje, está prevista uma conferência no Memorial Dr. António Agostinho Neto, para abordar temas que, segundo Paulo Carvalho, permitam desfazer mitos e promover a inclusão, mostrando que a cor da pele não define o carácter nem a capacidade de uma pessoa.
“É um dia para reafirmar que merecemos as mesmas oportunidades e tratamento justo como qualquer outro membro da comunidade. É um dia que me enche de orgulho e me motiva a continuar a lutar por um mundo onde a dignidade e o respeito são garantidos para todos, independentemente das diferenças”, frisou.
Na família, Paulo Carvalho encontra o conforto necessário para seguir determinado. A cor da pele não faz nenhuma diferença e, com base na sua formação, garante estar habilitado para enfrentar qualquer desafio no mercado de trabalho.
O Dia Mundial da Consciencialização do Albinismo, que se assinala hoje, foi instituído pela Organização das Nações Unidas (ONU), para divulgar informações sobre o transtorno, no sentido de reprimir a discriminação e o preconceito. Outro objectivo é a celebração das principais conquistas das pessoas portadoras de albinismo.
Associação controla 2000 membros em 15 províncias
A Associação de Apoio aos Albinos de Angola (4As), controla mais de 2000 membros em 15 províncias, com excepção de Cabinda, Cunene e Huambo. Por falta de condições, ainda não foi possível criar representações nessas regiões, segundo o presidente da organização, Manuel Vapor.
Em declarações ao Jornal de Angola, o líder associativo defendeu mais valorização deste segmento social, que, na sua opinião, além de se sentir discriminado pela cor da pele, passa por necessidades extremas por falta de oportunidades de emprego, crenças negativas e desinformação. Entre as actividades desenvolvidas pela 4As, que conta com vários parceiros que decidiram abraçar a causa, uns por amor ao próximo e outros por terem na família membros portadores de albinismo, uma delas é banir, na sociedade, a ideia de que “o albino não morre e sim desaparece, torna-se invisível à noite, ao mesmo tempo que não enxerga”. As palestras realizadas nas escolas do Ensino Primário e não só têm ajudado a desmistificar uma série de inverdades, que aos poucos ajudam a conquistar espaços na sociedade. Manuel Vapor reconhece o esforço do Governo que, com alguma regularidade, apoia a associação, com produtos de higiene, essenciais para o bloqueio de lesões na pele, apesar de considerar irrisória a quota de quatro por cento de empregabilidade, a que a pessoa portadora de deficiência tem direito na Função Pública, incluindo os albinos.
O presidente da 4As entende que, para minimizar as dificuldades do ponto de vista pessoal e familiar deste grupo social, a quota de quatro por cento deve ser revista, no sentido de equilibrar as garantias dos direitos dos cidadãos.
O que é o albinismo
O albinismo é uma desordem genética na qual ocorre um defeito na produção da melanina, pigmento que dá cor à pele, cabelos e olhos. A alteração genética leva, também, a modificações da estrutura e do funcionamento ocular, desencadeando problemas visuais.
Os sintomas variam de acordo com o tipo de mutação apresentada pelo paciente. A mutação determina a quantidade de melanina produzida, que pode ser totalmente ausente ou estar parcialmente presente.
Os sinais do albinismo vão além da cor da pele e dos cabelos. Em geral, todos os portadores do transtorno apresentam comprometimento da visão provocado pela falta de melanina, fundamental para o desenvolvimento dos olhos e a anatomia dos nervos ópticos.
Não existe, actualmente, nenhum tratamento específico e efectivo, pois o albinismo é decorrente de uma mutação geneticamente determinada. As pessoas com albinismo devem iniciar o acompanhamento por profissionais de saúde assim que o problema for detectado. A terapia visual previne problemas nos olhos e na visão, proporcionando o desenvolvimento necessário para as actividades escolares, de trabalho e de lazer.
De acordo com a Organização Mundial da Saúde (OMS), estima-se que uma em cada cinco mil pessoas no mundo tenha alguma forma de albinismo. Em Angola, até 2027, pelo menos 7.668 poderão entrar nestas estatísticas.
Associação de Benguela quer mais oportunidades de emprego
O presidente da Associação de Apoio aos Albinos em Benguela, Arlindo Capiñala, enalteceu, ontem, na cidade das Acácias Rubras, os apoios prestados pelo Governo local e solicitou a criação de mais oportunidades de emprego.
Segundo Arlindo Capinãla, a associação controla mil pessoas com albinismo, que têm recebido apoio especial das autoridades da província.
O responsável associativo disse que a organização vai continuar a trabalhar junto de organismos públicos e privados para a criação de mais oportunidades de emprego, “já que 90 por cento dos associados está sem emprego”.
Arlindo Capinãla lamentou o facto de o número de pessoas com câncer da pele ter aumentado, reconhecendo, contudo, que graças ao apoio do Governo provincial, empresários e pessoas singulares, tem sido possível controlar a situação, apostando na prevenção.
O líder da Associação de Apoio aos Albinos em Benguela lamentou o facto de muitas pessoas sofrerem de discriminação por terem nascido com albinismo.
“Temos essa preocupação, enquanto associação que vela pela defesa dos direitos da pessoa com albinismo. Tudo temos feito para despertar a sociedade, para que encare a pessoa com albinismo como pessoa normal, capaz de fazer tudo”, disse. Arlindo Capinãla reconheceu que a assistência médica à pessoa com albinismo é estável. “Felizmente, recebemos consultas gratuitas de dermatologia, oftalmologia, psicologia clínica e de aconselhamento, o que é bastante gratificante”, enalteceu.
Governo reitera apoio
A vice-governadora provincial para o sector Político, Social e Económico de Benguela, Lídia Amaro, disse que o Governo vai continuar a apoiar as pessoas com albinismo.
A dirigente, que falava durante uma palestra sobre “As alterações oculares e dermatológicas na pessoa com albinismo”, disse que os apoios visam promover o bem-estar desta franja social.
Durante o evento, promovido pelo Centro Oftalmológico de Benguela, a vice-governadora assegurou que o Gabinete Provincial de Saúde tem estado a prestar assistência médica e medicamentosa gratuita às pessoas com albinismo, no quadro das políticas públicas de inclusão social, protecção e apoio às pessoas nessa condição.
Lídia Amaro mencionou, também, a disponibilização de vários produtos dermatológicos para a protecção da pele e óculos para problemas de visão.
Fonte: JA