20 anos de carreira: “nunca pensei em desistir apesar das dificuldades”

Sofia Umba Pemba Kuama, conhecida pelo grande público por Irmã Sofia, vai comemorar o vigésimo aniversario da sua carreira com um concerto de música, a ser realizado no Cine Atlântico, no próximo dia 8 de Julho. Natural de Luanda, a cantora nasceu a 2 de Fevereiro de 1980.
Em entrevista ao portal Arautos da Fé, conduzida pelo repórter Terêncio Chiwale, Irmã Sofia, revelou aspectos marcantes da sua carreira, que acredita, tem o “aval” de Deus.

Irmã Sofia prepara comemoração do vigesimo aniversario de carreira. (Foto: Jaime Chiquito)
Irmã Sofia prepara comemoração do vigesimo aniversario de carreira. (Foto: Jaime Chiquito)

Arautos da fé: Que balanço faz dos seus 20 anos de carreira musical?
Irmã Sofia: Dependendo deste mundo, não foi fácil, mas, com Deus, isto tornou-se fácil e possível. Até aqui, Ele tem-nos ajudado, porque, se dependesse dos esforços humanos, seria difícil continuarmos. As coisas vão indo na graça de Deus, Deus é bom, estamos a conseguir, foi bom e valeram apenas estes vinte anos de carreira. Hoje, temos o aval do próprio Deus que nos colocou no coração do seu povo.
AF: Quais são os momentos mais marcantes da sua carreira?
IS: Um dos momentos que nunca esquecerei foi quando, o meu primeiro filho, estava a beira da morte (em vésperas da gravação do CD “Eu sempre adorarei”). Fui à Windhoek, o meu filho ficou muito doente e pelo caminho, quase perdeu a vida. Oramos a pedir a misericórdia de Deus, reivindicamos os nossos direitos, o menino melhorou. Ficamos três dias hospitalizados em Windhoek, mas graças a Deus conseguimos recuperar. Avançamos para África do Sul, chegamos lá, o patrocinador que nos tirou de Angola, antes do dia que marcamos para a reunião, foi assaltado. Tiraram o dinheiro todo que levava e também o carro, e o homem, não conseguiu chegar mais até nós. Ficamos um ano na África do Sul, sem nenhum apoio, chegamos ao ponto de andar de rostos para chão a procura de algumas moedinhas para conseguir comprar, pelo menos pão para o filho. O pouco que tínhamos, gravamos o disco e para sair de lá, tivemos que viver como refugiados, para conseguirmos documentos.
Graças a Deus, apareceu alguém que aceitou comprar o master (CD). Não estava disposto em pagar o dinheiro que gastamos no estúdio, pagou apenas 40% e até hoje, nunca mais pagou os 60%. A preocupação era de sair daquele país e voltarmos a Angola. Ao voltarmos cá, a casa era de renda e encontramos tudo fora de casa. Começamos a viver na casa da falecida irmã do meu esposo, que morreu, na altura em que estávamos na África do Sul. Era uma casa abençoada, porque, quando caia chuva, entrava água. Fora de casa, as pessoas viam muito sucesso, mas em casa, sofria com a casa em péssimas condições e tinha de esperar que a minha sogra pudesse vender bombo frito, para poder comprar água e alguma coisa para comer.
Foi um momento muito difícil, recebi insultos dos servos de Deus, dizendo que tinha problemas com Deus, ou que eu não orava bem. Depois de tudo, Deus nos tirou daquele sofrimento e conseguimos outra casa de dois quartos. Tivemos a segunda filha e depois veio o momento que passamos das drogas. Praticamente, a nossa imagem, por um pouco iria para baixo, não foi fácil. Algo que nós lutamos para conseguir mais de dez anos e em menos de seis meses, não foi fácil contornar aquela calúnia nos órgãos de difusão massiva. Mas a misericórdia de Deus, nos deu força e conseguimos sair dessa e hoje, podemos dizer: Ebénezer até aqui o Senhor nos ajudou!
AF: Já pensou em desistir?
IS: Nunca pensei em desistir apesar das dificuldades. Porque quando comecei, não era para ter fama, eu cantava para testemunhar a Sua graça e grandeza, render graças a Ele por tudo que tem feito, o que já fez e poderá fazer na minha vida. Testemunhar também, à outras pessoas que o Senhor é o Salvador. Que Deus permanece sempre Deus e se eu vivo é um favor de Deus. 
AF: Com quantos anos começou a cantar e como descobriu o talento do canto?
IS: Com 8 anos já pensava cantar. O meu pai quase bateu-me porque estava a cozinhar e a cantar. Dizia que a saliva cairia na comida. Eu cantava toda hora.
Fui crescendo e incomodando a minha mãe que queria cantar. Com 12 anos, pôs-me num grupo de crianças da nossa Igreja, eu sou da IEBA, só ensaiei um dia e fugi, não queria cantar sem microfone e no coral, não tinha microfone. Mas depois, preferi ficar num grupo de dança pandeira. Comecei a dançar já com 12 ou 13 anos e completando 15 anos, não aceitaram que continuassem a dançar devido a idade. Comecei a tocar flauta. Fui jovem “precoce”, ingressei no grupo de jovens com 16 anos, dali, conheci o irmão Paulo (esposo). Pertencia a um quarteto e tocava piano. Numa actividade musical de jovens, pedi que cantasse, não aceitaram, fui para casa. Na semana seguinte, do quarteto só apareceu o irmão Paulo e não tinha piano. Cheguei lá e perguntaram se alguém queria cantar um hino individual. Tinha um pouco de receio, só depois levantei as mãos e cantei. O hino que cantei, era de um músico congolês. Como o irmão Paulo tinha a cassete em casa, pediu que cantasse como se fosse o autor da música.
Chegaram a negar o meu ingresso no grupo e tendo visto o solo que cantei, noutra semana, aceitaram que pertencesse ao grupo coral. Quando comecei a cantar, notaram o talento e graça que estava em mim. Eles (os membros do quarteto), estavam no estúdio para gravar as músicas do 2º álbum. Deram-se as músicas, gravei e lancei o primeiro álbum “Liberdade”. O meu pai, antes de partir para eternidade, falava tanto as minhas irmãs em seguirem o meu exemplo. Casei e estou sem problemas, mesmo sendo tão cedo como alguns diziam, estou feliz. Deus tem nos abençoados no casamento e na carreira.
AF: Sei que já foi discriminada por algum tempo. Porque isso aconteceu?
IS: Essa cicatriz (na cara), não sei, se adquiri ou não, quando era criança. Com 1 ano, fiquei muito doente, tinha problema de sarampo e na época, não havia vacina. Fiquei quase a sucumbir. A minha avó dizia que, quando colocavam-me num pano, ao tira-lo do corpo, a pele ficava no pano ou lençol. Não comia e nem falava. Levaram-me ao hospital, o médico negou tratar-me. Fomos à casa e a minha avó, levou-nos a outro médico que disse que não podia fazer mais nada. Do jeito que estava, nem levaria três dias, iria morrer. Mas ele, disse (à avó), vou tratar e se morrer, a culpa não será minha. A minha avó respondeu sim, pode tratar e se morrer, a culpa não será tua.
Depois, comecei a falar um pouco e as pessoas, sabem que, estando na amargura e falar, é porque, está a despedir-se. Fui-me recuperando aos poucos, me arranhava tanto e a comichão, vinha de dentro para fora. De tanto de arranhar, chegaram a amarar-me para não se coçar mais. E causou feridas ao lado da boca e fui crescendo e tornou uma marca. Quando viam-me, ofendiam-me, não podia passar onde havia rapazes, e o espírito de inferioridade, tomava conta de mim. Não podia demonstrar vaidade como outras moças.
Fui crescendo a dizer que não sou nada na sociedade, vou estudar e fazer a minha vida. Nem tinha ideia se poderia casar um dia. Mas, quando menos esperei o casamento surgiu. O meu esposo me conquistou aos 17 anos de idade, nem sabia me preparar. Hoje em dia, pessoas com menos idade, já fazem maquiagem, usam perfume, eu só usei maquiagem no dia do meu casamento com 19 anos de idade. Usei também a tissagem pela primeira vez. Não tinha noção das coisas.
O irmão Paulo, falou com os meus pais. Na altura para namorar, era necessário conversar com os pais. Foi zombado pela minha família quando vinha ao meu encontro, porque não tinha nada, era fotógrafo e grande compositor. Deus tem nos abençoados e ajudado, não conseguia ficar enfrente onde tinha mais de 3 pessoas, mas, Deus hoje mudou a minha mente. Agora me coloca diante de milhares de pessoas, para me mostrar que eu sou valor, tenho valor na sociedade, principalmente, diante dos seus olhos e eu posso, apesar destas cicatrizes, posso, porque, ele está comigo e me fortalece. Já não vivo no espírito de inferioridade, vergonha, enfrento o mundo porque dentro de mim, tem alguém maior, tem me dado força. Já não me preocupo com o que as pessoas dizem, podem falar de mim fisicamente, podem insultar, caluniar, mas não me importo, porque o meu valor não está naquilo que sou por fora, mas o meu valor está por dentro, as qualidades que Deus colocou em mim, me dignificam.
A margem da entrevista, Irmã Sofia recebeu o carinho de pessoas que admiram o seu trabalho. (Foto: Jaime Chquito)
A margem da entrevista, Irmã Sofia recebeu o carinho de pessoas que admiram o seu trabalho. (Foto: Jaime Chquito)

AF: Vive exclusivamente da música?
IS: Graças a Deus, eu vivo da música. Embora tem sido difícil, mas a graça de Deus, tem nos ajudado, se bem que agora, estamos abrir outros negócios. Estamos a trabalhar na agricultura, mas anteriormente, vivia da música. Luto para ser também empresária em outras áreas.
AF: Ao comemorar vinte anos, como avalia o mercado da música gospel?
IS: As coisas não são como antes. Noutrora, era difícil, o músico não conseguia sobressair, batíamos as portas das Igrejas, não abriam para nós, porque, não havia espaço para nós. Mas hoje, dou graças, valeu aquele esforço, valeu a persistência nesta obra e hoje a música gospel já está a conquistar o mercado. Quando se fala de música em Angola, não deixam de falar de música gospel. Para nós, é uma Victória. Agradecemos muito a Deus por isso.
AF: Como é a sua relação com a nova geração músicos? Tem sido convidada para os seus eventos?
IS: A relação tem sido boa porque, nós, não trabalhamos em benefício próprio, mas para honra e glória de Deus. Todos trabalhamos para benefício do Reino. Têm pedido aconselhamento, orientação e apoiamos espiritual e moralmente.
AF: O que tem que mudar na música gospel?
IS: Ter o conhecimento da Palavra que servimos é a maior preocupação que temos. Porque senão, o músico evangélico pode tornar-se comercial. Pode chegar o ponto de ser procurador de fama. Precisamos aprender a Palavra de Deus, primeiro ser cristão e depois músico. Não ser músico cristão, mas, cristão músico. Só assim, poderemos defender a causa de Cristo. Já existem alguns a frequentar escolas bíblicas. A nossa vida mudou, não só na área técnica, mas também, na espiritual. Estando bem espiritualmente, transbordará na vida física e social.
AF: Que projecto tem em curso?
IS: Estamos a nos preparar para o próximo álbum com título “Maranata”. Se Deus permitir, será lançado em 2019. Outro projecto é a preparação de bodas de prata, daqui a cinco anos, se bem que podem achar que é distante, mas é próximo. Para a comemoração das bodas de prata, pretendemos convidar cantoras internacionais como Lor Bongo do Congo, Rebeca Malope, Cassiane do Brasil. Estamos a ver também uma nigeriana que Deus tem usado hoje. Teremos tournée na Europa nos meses de Setembro e Outubro, em 8 países. Em Dezembro, teremos um concerto em São Tomé, embora esteja em carteira, o patrocinador deste concerto, está pensar numa tournée pelas províncias.
AF: Como estão a decorrer os preparativos do concerto de comemoração dos 20 anos de carreira?
IS: Apesar de que as coisas não estão fáceis, estão a correr bem. Fazer publicidade não está fácil. Aquilo que não estamos a conseguir fazer, Deus está a fazer por nós, através do Espírito Santo. O concerto será no dia 08 de Julho, no Cine Atlântico, a partir das 15 horas. Contamos com a presença de todos. Será um dia abençoado, dependemos do Espírito Santo de Deus, não vira coisa ruim, mas boa.
Irmã Sofia
Com vários CDs no mercado, Irmã Sofia tem centenas, senão milhares, de horas de concertos dentro e fora de Angola. (Foto: Jaime Chiquito)

Discografia
Liberdade – 1997
Sodoma e Gomora- 1999
Não Desista de Colher – 2002
Armadilha de Satanas – 2005
Jikula Messo – 2008 
Globalização – 2011 
Zungueira – 2013

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