Aumento do nº de concertos solidários reflecte mudança de mentalidade ou dificuldades de vender ingressos?

Grande parte dos concertos de música gospel divulgados, pelo menos, nos últimos seis meses, tiveram como objectivo, anunciado, arrecadar bens para apoiar pessoas carentes. Uma pesquisa rápida no Google ou Facebook, ajuda a perceber a dimensão deste “fenómeno”, que se por um lado é importante, por outro, lenta várias questões como: motivações reais da realização destes eventos, quem beneficia deles e porquê que poucas vezes se divulgam as cerimónias de entrega dos bens arrecadados?
Leia para saber o que vários músicos disseram sobre o “fenómeno”.

Músico Luís Virgílio emprestou o seu carinho.
Músico Luís Virgílio emprestou o seu carinho num concerto solidário. (Foto: arquivo)

Mudança de mentalidade X dificuldades em vender ingressos
Xavier Viegas, vocalista do grupo JTS, acredita “que as pessoas” têm usado o dom que têm fazendo concertos para angariar bens e fundos para apoiar pessoas que “mais necessitam”. Observa, que dificuldades em vender bilhetes para concertos “sempre houveram e possivelmente haverão” e que tirar uma percentagem da venda de bilhetes para ajudar os lares “fica um bocadinho difícil”.
Victor António, tem vindo a notar o aumento do número de concertos solidários, considera positivo e diz não saber explicar a razão “de todo mundo agora querer fazer concertos solidários”.
Talvez, supõe, os músicos e os organizadores “começam agora a olhar mais para os outros e sentem de alguma forma necessidade de fazer alguma coisa para os outros”. Antigamente, afirma, “pensávamos muito em nós e agora conseguimos perceber que além das nossas dores e sofrimento, existem pessoas passando por necessidades maiores.”
O músico, diz não acreditar “muito” que seja falta de capacidade para vender ingressos. “Eu por acaso tenho vindo a fazer concertos em toda minha carreira e me lembro de ter feito apenas 2 concertos em que cobrei entradas. O resto era solidário e o restante em igrejas com entradas grátis sem recolha de donativos.”
“Não sei qual é a intenção de cada um. As minhas eu conheço e as dos outros não posso dizer que são iguais as minhas. Mas creio que há uma intenção muito boa da parte dos outros em fazerem concertos solidários”, realça.
Xavier Viegas
Xavier Viegas

Cutana de Carvalho, que respondeu as questões pelo Facebook, pensa que o aumento, “deve-se ao facto da sociedade estar sensibilizada com factos que assolam camadas menos favorecidas”, mas também, considera, “há quem faça para chamar atenção do público visto que estamos a passar por uma fase económica no país, menos boa, poucos estão dispostos a tirar dinheiro nesta fase. Então um evento contribuindo com bens não perecíveis, penso que pesa menos.”
Pela mesma via, respondeu Tê Kuanzambi, que dá créditos há uma mudança de comportamento, mas fala também num certo modismo.
“…até isso que poderia realmente ser como a Bíblia nos ensina Deuteronómio 24:21-22… mas de repente ficou isso aí que estamos a ver hoje…”
Músico evangélico Victor António, prepara concerto para domingo.
Victor António. (Foto: arquivo)

Outra senhora da música gospel, Cubana Adriano, refere que é um assunto muito notável nas redes sociais. Acredita, que “Deus está a despertar algumas pessoas que realmente têm um coração genuinamente solidário.”
Divide em dois grupos, com motivações diferentes, os que organizam tais eventos: os que fazer para ajudar e “aqueles que usam o concerto solidário para a exposição do seu próprio nome, porque o concerto solidário atrai pessoas, porque as pessoas não compram ingressos.”
Para algumas pessoas, diz, que querem “elevação do seu próprio nome, da sua organização”, facilita mais organizar concerto solidário. “Mas existem muitas pessoas que eu conheço, muitas mulheres e homens que estão a realizar muitos concertos solidários.” Esses, afirma, acreditam que um dos propósitos que Deus colocou na vida deles é ajudar outras pessoas. E eles vêm que os músicos podem ajudar muito nesse sentido em atrair as pessoas para aquele evento para conseguirem as coisas que precisam para levar à um lar ou a um hospital ou a pessoas necessitadas.”
Cutana Carvalho
Cutana Carvalho. (Foto: Fb)

Participação em concertos e a entrega dos bens
Segundo Xavier Viegas, o seu grupo JTS, só este ano participou em três concertos solidários, mas nunca foi convidado para testemunhar a entrega dos bens arrecadados. “Se calhar a organização acha que não convém, embora seria bom ver o retorno do que nos fez chegar a mesma actividade.”
Xavier, diz que a partir das redes sociais, viu “algumas” imagens que mostram que parte destes bens foram entregues. “Só não posso afirmar que foi tudo entregue ou não já que não estamos a receber convites para as entregas. Acho que nós mesmos vamos começar a exigir que depois da colheita ou da recolha convidem-nos para presenciar as entregas. Há quem entra com um passo de ovelha, afinal é um lobo para angariar bens e fazer disso para benefício próprio.”
Não é frequente, mas este ano, Victor António, recebeu um convite para participar num concerto solidário e lembra ter participado em apenas um evento de entrega de donativos, que diz ter sido em 2016, na sequência do Sarau Gospel em que que foram recolhidos alguns bens para uma instituição de caridade.
“Acho que é o único que me lembro ter participado, cantar no dia da entrega dos donativos. Mas, de alguma forma vamos vendo imagens no Facebook das pessoas entregando as coisas.”
Recentemente explicou, participou na entrega dos bens arrecadados para o Gil Jezz, onde esteve como organizador do evento. “Levamos os músicos, haviam 2 ou 3 músicos que participaram no concerto e a organização fez questão de levá-los para testemunhar.”
Cutana Carvalho, recebe muitos convites e sublinha que é de bom grado. Tem participado nas cerimónias de entrega dos bens aos destinatários e quando para tal não é convidada, também não tem recebido informação.
Tê Kuanzambi
Tê Kuanzambi

Tê Kuanzambi, participou duas vezes em concertos solidários, primeira edição do Sarau gospel e no Show Gospel Solidário de Nguito Pandas, mas só assistiu a entrega dos bens do Sarau gospel. “Fomos levar os donativos na Remar… Outros é só histórias.”
2018 foi o ano em que mais participou de concertos solidários. Para Cubana Adriano, as pessoas devem ser solidárias em qualquer altura. “Não precisa ser só em concerto. Acredito no seguinte: vê bem os que têm organizado concertos solidários, Benguela precisa de nós, Moçambique precisa de nós. Quem já apareceu nas redes sociais para chamar atenção de músicos e de organizadores de eventos para atrair pessoas ou realizar alguma coisa para poder adquirir bens alimentares para poder levar para essas pessoas? Foram poucas pessoas.”
Apesar dos muitos convites, lembra de ter participado em poucos eventos de entrega dos bens. “Com o grupo Ester, é um grupo diferente que porque não atrai o público para ajudar. Elas organizam-se fazem compras a depender do que a organização destinatária necessita e levam. Fazem um culto no local da entrega e depois entregam os bens. Tem o projecto da irmã Joly Nova Criatura, já acompanhei várias vezes. Do Coelho não estive presente mas pude acompanhar a entrega dos donativos.”
A Cantora diz não saber de que maneira é que os outros fazem, porque não dão feedback. “Nem postam. Podem não falar para nós, mas têm de postar para a gente poder saber que já foi entregue.”
As confusões que têm acontecido, alerta, resultam da falta de informação. “É isso. A actividade terminou onde é que estão (os bens)? Não é que fizeram um desvio, mas é necessário um relatório a dizer que entregamos para que as pessoas sintam vontade de voltar a levar porque estão a ver alegria no rosto das pessoas destas instituições e temos a certeza que foi entregue tudo. É necessário que tudo fique claro para que o esforço de quem foi cantar, de quem deu, de quem ajudou na área técnica e nos transportes, não seja em vão ou coloque dúvidas da seriedade do organizador.”
Irmã Cubana,
Cubana Adriano. (Foto: arquivo)

Importância dos eventos solidários
Entre os músicos, é consensual que os concertos solidários são “muito” importantes. Victor António entende que os músicos devem se unir para ajudar àqueles que necessitam, “Eu vou convidar todos para o meu concerto, vou usar o dom que o Senhor me deu para uma causa justa. É lindo ver as pessoas receberam as coisas, a se alegrarem, colocar de alguma forma alguma esperança no coração das pessoas, dizer que elas não estão sozinhas, estamos com elas, é muito bonito.”
Para Cutana Carvalho, por via dos eventos solidários pode-se reeducar a sociedade a voltar a prática do amor ao próximo. “Capacita nalguns casos camadas menos favorecidas, o que acaba tornando parte da sociedade saudável e feliz.”
Tê Kuanzambi, recorre a Bíblia e cita Tiago 1:27. “É muito importante para mim, visto que é a religião que Deus, nosso Pai, aceita como sincera e imaculada é está: cuidar dos órfãos e das viúvas em suas dificuldades e, especialmente, não se deixar corromper pelas filosofias mundanas.”
Cubana Adriano alinha no mesmo diapasão e lembra que Jesus se preocupa com os necessitados e salienta que o verdadeiro Evangelho envolve preocupação com as outras pessoas. “Não com a nossa própria pessoa somente.”
E chama atenção: “muita gente realiza concertos mas não muda nada financeiramente ou materialmente. Todos concertos tem reclamação de finanças. gastam e não ganham, mas já no solidário, a pessoa sabe que não foi ali para ganhar dinheiro, foi aí levar para outras pessoas.”
 
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